Isaac Alonso Estraviz: “Os inimigos da Galiza são, infelizmente, os próprios galegos”
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Redaçom/ Isaac Alonso Estaviz é alguém que nom necessita apresentaçom no reintegracionismo e galeguismo em geral. No vindouro sábado a AGAL renderá-lhe homenagem, a ele mais a José-Martinho Montero Santalha, com motivo do 30º Aniversário da associaçom. Quigemos falar com ele para a ocasiom. Aqui vos deixamos umha alargada entrevista na que recorda a sua infância marcada pola proibiçom de empregar o galego, nos adianta a próxima publicaçom d o seu Dicionário em papel e adatado ao Acordo Ortográfico, ou recorda o fulcral papel da delegaçom galega nas reunions do Acordo Ortográfico do Rio de Janeiro.
Os começos do reintegracionismo e a Igreja
Fale-nos um pouco da sua infância e juventude, quando começou a tomar consciência de viver num país oprimido com umha língua silenciada que brilhara no passado?
A minha infância passei-a em Vila Seca até aos doce anos. Com doce anos entrei como oblato no mosteiro de Usseira, como estudante dos primeiros cursos de bacharelato. Ali, como noutros lugares, estava proibido falar galego. A alienação foi tal que cheguei a me confessar de ter quebrantado essa norma. Para ser mais eficaz a proibição cada um de nós convertia-se em polícia do outro. Para isso estava em uso o emprego de uma “cadela” (moeda) de jeito que a aquele que lhe escapava uma palavra galega era-lhe entregue essa moeda. À noite, ao nos ir deitar, o que tinha a cadela enquanto os outros se deitavam e começavam a ressonar, ele ficava de joelhos e braços em cruz até que os encargados davam por terminado o castigo. Por isso, nas horas anteriores cada um procurava entregar-lhe a moeda a outro, servindo-se das mais estranhas estratagemas: beliscá-lo, fazer-lhe uma cambadela, para provocar a fala espontânea, que era sempre o galego. Depois fugias dele como de uma peste.
Em 1952, com 17 anos, rebelei-me e prometi nunca mais falar castelhano. Isto relato-o num conto “Ai, os curas mãe que os pariu”, que Fraga impediu a sua publicação na revista GRIAL. No 1957 celebramos a onomástica do Prior do mosteiro e fizemos tudo em galego: obra teatral de “O Tio Mingos” de Prado Lameiro, cantos... Em 1959 fiz em galego o primeiro recordatório da primeira missa. O conhecimento da literatura medieval é muito posterior, pois na biblioteca só havia alguns livros: Catecismo do Labrego, Espiñas, follas e flores, Cantares e pouco mais.
Você tem a honra de ter escrito o primeiro texto no que depois se chamaria norma AGAL, aquela carta datada em Lisboa que lhe enviou ao seu amigo José-Martinho Montero Santalha lá polo 6 de setembro de 1978. Como recorda aqueles tempos nos que reintegracionismo contemporâneo botava a andar?
Atualmente, lembro-os com muita nostalgia, porque naquela altura era um fervedeiro de gentes por todas as partes que reivindicavam a nossa cultura e a nossa língua e todos procurávamos a escrita ajeitada, ainda que as perspectivas fossem um bocado diferentes. Tinha fé num triunfo a curto prazo e de que os papeis das duas línguas iam mudar radicalmente. Ainda hoje continuo a acreditar, mas já não com aquele entusiasmo.
O “Manifesto dos 13 de Roma”, o trabalho de traduçom dos “Irmandinhos” do que você fazia parte… estavam protagonizados por gente relacionada com a Igreja. Pensa que a historiografia oficial do nacionalismo galego tem, em geral, esquecido o papel da gente da Igreja nas luitas das últimas décadas? No reintegracionismo fôrom fulcrais, assim como nas Comissons Labregas, no nacionalismo no rural, etc.
Não pertenci a esse grupo conhecido como “Irmandinhos de Roma”. Para que todo o mundo conheça melhor a nossa história, estes são os nomes de aqueles que assinaram o “Manifesto para a supervivência da cultura galega”: António Busto Salgado, Maca Cabaleiro, João Curráis, José Manuel García Alvarez, Jesus García Castro, Manuel García Otero, Jorge João Gómez Gude, Ricardo Martínez Valcárcel, José Martinho Montero Santalla, Marcial Portela, Uxío Romero Pose, José António Salgado e João Trillo.
O nacionalismo galego não esqueceu as pessoas que trabalhámos nesse campo. Há que ter em conta que a igreja hierárquica foi contrária –e hoje ainda muito mais- a mergulhar-se no nosso mundo cultural e linguisticamente. (Ora o nacionalismo galego o que foi é raquítico quanto a uma normas salvadoras do galego, não descobriram ainda hoje a utilidade e extensão mundial que tem a nossa língua). Fomos sempre pessoas ou grupos individuais. A hierarquia galega é tudo menos galega. Como tal é alienadora e alienante, de jeito que grupos demasiado moderados como o de Encrucillada e Irimia, quase os consideram heréticos!!!
Lexicologia e a luita com a oficialidade
O reintegracionismo e o independentismo compartem cousas que os fam mui semelhantes: por exemplo, sofrerem a marginaçom das “elites nacionais oficiais”, políticas e académicas, que vem perigar a sua cômoda situaçom de radicalizarem-se as reivindicaçons. Fale-nos um pouco sobre isto, sobre os atrancos que o reintegracionismo tivo que superar nas primeiras fases da andaina. Você tivo relaçom com Ramón Piñeiro e outros vultos da oficialidade.
Tivemos, sim, todos os que defendemos até ao momento atual a nossa língua e a nossa cultura, -que consideramos essencial-, fomos e somos marginados polas elites nacionais oficiais. Fomos amordaçados porque de outro jeito não eram nunca capazes de rebater os nossos argumentos. O reintegracionismo tem hoje mais atrancos do que em anos atrás. Tudo nos está fechado nos níveis oficiais e de massas.
Conheci a Ramón Piñeiro e toda a gente pode comprovar o meu relacionamente com ele através do seu epistolário publicado na revista AGALIA, ns. 95-96. O nosso trato foi sempre correto, mas ele afinal foi um traidor ao nacionalismo e às suas ideias reintegracionistas que defendeu perante mim muitas vezes. Também me relacionei com Jesus Ferro Couselo, com todos os de Galáxia, com Otero Pedrayo, Ben-Cho-Shey, Manuel Vidán, Espiña Gamallo, José Morente, Carlos Casares...
Está a preparar umha ediçom em papel do seu Dicionário, o mais completo e consultado na rede. Pode-nos adiantar algumha informaçom sobre o projeto?
Só em internet consegui cumprir os meus desejos na elaboração do dicionário. Em 2012 vai-se acomodar às normas do Acordo Ortográfico da lusofonia e publicar também em papel em vários volumes. Neste trabalho o oficialismo foi sempre canalhesco chegando ao mais infame. Só num país colonizado, como é Galiza, pode ter acontecido isso. Manuel Alvar, saragoçano, amantíssimo do espanhol e presidente da Real Academia Espanhola, foi dos poucos que valorou devidamente o meu trabalho. Os inimigos da Galiza são, infelizmente, os próprios galegos.
Tem sinalado em várias ocasions a sua surpresa pola dificuldade de encontrar palavras genuinamente galegas, que nom estejam registadas também em Portugal ou outras partes da lusofonia. Quais fôrom as últimas descobertas neste sentido?
Acarão, anaçoado, bardo, naçom, perro..., pronunciar uma à galega no Minho e Tras-os-Montes e em grande parte do Brasil...
Galiza na lusofonia
Como membro da AGLP, que supom para a Galiza a inclusom do seu léxico nos dicionários comuns? Dá a impressom de que todo o trabalho militante da AGLP está a deixar nas últimas datas um cúmulo de fitos históricos dos que nem somos conscientes.
Esse léxico galego que se está a introduzir nos dicionários portugueses e brasileiros, ainda que pareça estranho, existe também em Portugal e no Brasil. Só muito poucas palavras parecem exclusivas da nossa zona.
Viajando no tempo, você participou na reuniom do Acordo Ortográfico do Rio de Janeiro em 1986, graças às gestons de Guerra da Cal. Como lembra aquele acontecimento? Vê mais cumplicidade por parte do Brasil para a entrada da Galiza na lusofonia do que de Portugal?
Aquele acontecimento teve muita mais importância da que se pensa. E a nós, os galegos de Irmandades da Fala, deve-se-nos muito. O Acordo era entre Portugal e Brasil. Os portugueses prescindiam dos países africanos de língua portuguesa. Nós fomos os que prisionamos para que fossem convidados todos os países de língua portuguesa conhecendo as consequências que de não os convidar iam seguir-se. Além disso, eu mesmo lhe recordei ao representante português de como um africano falara no “Congresso da Língua Portuguesa no mundo”, celebrado em Lisboa no ano 1983, depois deuma hora falando, foi aplaudido por todos durante quinze minutos e de como depois ainda continuou por mais de meia hora. Em princípio e como convidados, parecia que nós o íamos ter fácil. Mas não foi assim. A Galiza esteve presente polos brasileiros que aceitaram a nossa Comissão pagando todas as despesas que o tal evento provocava. Numa das primeiras reuniões na sala da Academia de Letras do Rio eu disse que me explicassem porque, sendo nós originários do território onde nasceu a língua cuja normativa estávamos a elaborar não estávamos como eles com pleno direito. Os portugueses ficaram com a boca aberta e os brasileiros assumiram a realidade ali levantada. Intervimos em todo momento e votamos como todos eles. O de convidados ficou esquecido.
Por parte do Brasil nunca houve problemas em nenhum momento. Mesmo há intelectuais brasileiros que prefirem falar em galegofonia em vez de lusofonia. Mas isso não tem a mínima importância e nesta altura seria embaraçoso andar mudando de nomenclaturas. Acho que todo o mundo conhece como são recebidos Carlos Núñez, Uxia Senlle, etc. Uma língua não tem proprietários individuais, ela é de todos os que a falam.
Para finalizar a entrevista, e nom abusar mais da sua paciência, qual é o futuro que vê para a nossa naçom?
Há uns anos quase se apalpava esse futuro. As cousas mudaram, sobretudo com este governo de alienados e ignorantes. Mas tudo isso tem de se acabar e confio em que mais cedo do que mais tarde, teremos um futuro esplendoroso, porque o galego é mais útil e mais extenso do que o castelhano.
Isaac Alonso Estraviz
Cervelo, 3 de novembro de 2011-11-03
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