10. FONTENLA, José Luís, PRESIDENTE DA COMISSÃO GALEGA DO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA, DAS IRMANDADES DA FALA DA GALIZA
O MITO DE BABEL
José Luís Fontenla nasceu em Ponte Vedra e reside em Viana do Castelo desde 1992, em que fixa a residência na República Portuguesa; formado em Direito pela Universidade de Santiago, exerceu a advocacia; é diretor das revistas NOS, Cadernos do Povo e Temas do Ensino de Linguística, Sociolinguística e Literatura, revistas da lusofonia, editadas em Ponte Vedra – Braga; é o atual Presidente da Comissão Galega do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, das Irmandades da Fala da Galiza e Portugal, dos Círculos Republicanos Lusófonos; escritor, poeta, ensaísta, presidiu congressos e simpósios de Língua, Cultura e Literatura Lusófonas na Galiza e Portugal. Tem inúmeras publicações de caráter linguístico, sociolinguístico, literário, etc. em português. Conferencista em diversos países da Europa e América Latina. É investigador do CELB (Centro de Estudos Luso-Brasileiros) da Universidade de S. Petersburgo.
SINOPSE: O MITO DE BABEL
O texto "O Mito de Babel: contra a desagregação da Língua Portuguesa" abrange uma introdução sobre a unidade estrutural da língua portuguesa, o conflito linguístico na Galiza entre portunhol e português e os apartados "Em defesa da unidade da língua portuguesa, língua histórica, língua da lusofonia" e "Contra a desagregação da língua portuguesa: A/ Integracionismo de Rodrigues Lapa e língua histórica de Coseriu" e B/ Ortografia comum, ortofonia, dicionarística, terminologia, para concluir que há que eliminar o diferendo luso-brasileiro através da implementação do Acordo Ortográfico de 1990 e outras ações de política linguística lusófona.
O MITO DE BABEL: CONTRA A DESAGREGAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA Em homenagem aos saudosos amigos Prof. Lapa, Cunha, Cintra, G. Da Cal, Azevedo Ferreira, Herculano de Carvalho, Houaiss, Chaves de Melo, Coseriu, defensores da Lusofonia da Galiza, in memoriam.
1. Introdução
Vestígios do mito de Babel se mantêm ainda na maneira de pensar a Língua Portuguesa já no terceiro milénio, no séc. XXI, por falta de uma política comum de planeamento linguístico (language planning) em defesa da unidade estrutural da Língua Portuguesa, seja ela considerada sincrónica ou diacronicamente (Fontenla)[1].
Destarte a segunda língua românica do mundo, terceira Europeia de cultura de dimensão internacional e intercontinental, falada nos cinco continentes por mais de 240 milhões de utentes (UNESCO)[2], nascida na velha Gallaecia romana, que chegava até ao Mondego, e levada a dois terços do mundo pelos Portugueses com os Descobrimentos, não tem uma política coerente que a divulgue e promova em toda a parte.
Além do mais, o diferendo Luso-Brasileiro, que permite a existência do Português Europeu (PE) e do Português do Brasil (PB), com leves diferenças de pronúncia, léxico, etc. está a criar derivas da língua e a pôr em questão a unidade estrutural profunda da língua Portuguesa, embora exista um Acordo Ortográfico de 1986 e 1990, que unifica tanto quanto possível, a escrita da nossa Língua.
O curioso é que a Língua Portuguesa tem uma unidade estrutural superior à do Espanhol, do Francês, etc., e que o nosso diassistema possui uma gramática do Português Contemporâneo desde 1984 (CINTRA, CUNHA)[3], que abrange os dialetos Galegos, Portugueses e Brasileiros. Também possui um Acordo da Ortografia Unificada desde 1990 (FONTENLA)[4] e um dicionário da Academia das Ciências de Lisboa desde 2001[5], com transcrição fonética correspondente ao Português Europeu, que seguem a Galiza, Portugal, os PALOP, Timor, etc., além de organismos internacionais (UE, OMS, OIT, AIJ, etc.) como reconhecem alguns autores (SEABRA)[6].
Apesar da unidade estrutural da língua Portuguesa, alguns autores tencionam, a partir de perspetivas dialetológicas, manter como que resíduos do mito de Babel, invocando a fragmentação da língua, as derivas (drifts) ou até a sua desagregação na Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, etc.
Assim, na Galiza, diversas pessoas ignaras impõem a ortografia e a morfologia castelhanas ao Português da Galiza (MARTINHO)[7], Língua da lusofonia (FONTENLA)[8] de costas voltadas ao Parlamento, por Decreto; a 20 de abril de 1983, pelo Conselheiro (Ministro) adjunto ao Presidente para a Cultura (sic) Filgueira Valverde, é publicado o Decreto 173/1982 de 17 de novembro sobre a normativização da língua Galega (sic) e por lei 3/1983 de 15 de junho se estabelece para já, no Diário Oficial da Galiza, a 14 de julho, a Lei de Normalização Linguística. Destarte se enceta a desagregação da língua Portuguesa na Galiza, com o protesto de professores, escritores, intelectuais, deputados, entidades de ensino, investigação e pesquisa e sindicatos galegos, etc. (FONTENLA)[9].
Mas não só se impõe a ortografia e morfologia do Castelhano ao Português da Galiza, como também se altera a sintaxe, o léxico, a fonética, a fonologia, tudo o que constitui um diassistema; a língua histórica (COSERIU, HUBER, DIEZ, CINTRA, CUNHA, AZEVEDO FERREIRA, MIRA MATEUS, AZEVEDO MAIA, HERCULANO DE CARVALHO, etc.)[10] que se tinha formado na velha Gallaecia, hoje conhecida como Português, é submetida à pressão do Espanhol e passa a ser uma língua subordinada, iniciando-se um claro processo de substituição linguística de caráter diglóssico (FERGUSON, GIL HERNANDEZ, RABUNHAL CORGO, BREA)[11], que também se dá em Olivença como tem sido estudado (MATIAS RESENDE)[12].
Um verdadeiro golpe de estado se produz na Academia Galega a 3 de julho de 1982, para aprovar as normas daquilo a que se chamou portunhol 1 do ILG-RAG (Instituto de la Lengua Gallega — Real Academia Gallega)[13], que vigoraram através dos preceitos legais citados supra, da mão do conselheiro (ministro) Filgueira Valverde e do Presidente do Governo da Galiza Fernandes Alvor, que ordenam publicar Decreto e Lei no Diário Oficial da Galiza, em texto bilingue, portunhol-espanhol[14].
Surge ainda um portunhol 2, que não atinge o nível de oficialidade e que se justifica como uma norma transitória para integração no Português de Portugal, das mãos da Associação Galega da Língua; esta entidade privada elabora, através da chamada “Comissão Linguística da AGAL” o “Estudo Crítico das Normas Ortográficas e Morfológicas do Galego” (1983, 169 pp.)[15] (1989, edição acrescentada, 302 pp.)[16]; esta “Comissão” ainda elabora, a partir do Português, mas afastando-se dele na ortografia, prosódia ou ortofonia, verbos, etc., o “Prontuário Ortográfico Galego” (1985, 318 pp.)[17] e mesmo a CLA (Comissão Linguística da AGAL) elabora um “Guia prático dos verbos Galegos conjugados” (1988, 128 pp.)[18] em que, plagiando os verbos Portugueses, se introduzem desvios ou variedades que se afastam da língua comum do PE — Português Europeu. A filosofia desta entidade, a AGAL — Associação Galega da Língua” — passou sempre por criar uma terceira via contra o Português Europeu e Brasileiro, acordando até em não negociar os Acordos Ortográficos de 1986 (Encontro de Uniformização da Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, do qual sairiam as bases da Ortografia Simplificada da Língua Portuguesa, a que tive a honra de assistir presidindo à delegação da Galiza) e de 1990 (Encontro de Unificação Ortográfica da Língua Portuguesa de Lisboa, do qual sairiam as bases da Ortografia Unificada da Língua Portuguesa, e onde todos cedemos às pretensões dos Portugueses, tanto os Galegos que me honraram com a presidência da Delegação da Galiza novamente, como os Brasileiros e Africanos Lusófonos) (FONTENLA)[19]. A AGAL chegou a proibir, em congressos, comunicações escritas em Português por Galegos (Ass. Amizade Galiza-Portugal)[20] e textos na sua revista (GIL HERNANDEZ, ALDREI, BREA)[21] que deviam ir na norma portunhol 2 que defendem ainda hoje, no século XXI, no ano 2002! A língua Portuguesa era banida pela AGAL e não podia ser usada por autores Galegos! Apenas por Portugueses e Brasileiros. Racismo? Fascismo? Chi lo sà.
Ainda, na Dicionarística, se mantém também uma linha de portunhol 1 com base nas “Normas Ortográficas e Morfológicas do Idioma Galego” (sic) do Instituto de Língua Galega e da Real Academia Galega (1982), declaradas oficiais em 1983, como já dissemos, a “Gramática Galega” (sic) de R. Alvarez, H. Monteagudo e X. L. Regueira (1986) e o “Vocabulário Ortográfico da Língua Galega” (1990) do ILG-RAG, redigido por A. Santamarina e M. González, que serviu para a elaboração posterior do “Dicionário da Real Academia Galega” (1997), com 25.000 entradas lexicais. Esta linha de portunhol 1 mantém que o Português da Galiza não tem a ver com o Português Europeu de Portugal Continental e ilhas, e do Brasil, PALOP, Timor, etc.; tenciona criar por via de elaboração (ausbau, MULJACIC)[22] a partir do poder político Galego, subordinado ao Espanhol, não só na ortografia (VILAR TRILHO)[23], uma língua diferente, que fica como um satélite do castelhano na ortografia, na morfologia, sintaxe, léxico, fonética, fonologia, etc.
Uma outra linha de portunhol 2, a que representa a AGAL — Associação Galega da Língua — é defendida na Dicionarística por ESTRAVIZ[24] que publicou dois Dicionários da Língua Galega (sic) em 1986[25] e posteriormente em 1995[26], com entradas lexicais em que se misturam dicionários portugueses, espanhóis, etc., mas sem conhecer bem os moldes da língua Portuguesa, o que cria contradições nas 80.000 entradas lexicais, com falsos amigos, predomínio da aceção espanhola, etc.
Ainda bem que o DACL — Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa — de 2001[27], com transcrição fonética, vem pôr as coisas direitinhas, com focos ortoépicos que aceitam todas as variedades dialetais da Galiza, Portugal, PALOP, Timor, etc., id. est, do PE — Português Europeu da Galiza-Portugal, que os PALOP e Timor seguem. O recentemente saído Dicionário de António Houaiss[28] não traz transcrição fonética. Existe ainda o Dicionário do Português Básico de Mário Vilela[29], com 3060 entradas lexicais, com transcrição fonética de uso escolar e discussão na transcrição de algumas palavras, que se percebem como nortenhas por alguns autores.
Existe também algum intento de considerar a desagregação da língua Portuguesa nos PALOP, o que consideramos errado, enquanto não se ensine adequadamente no sistema educativo, a par de outras línguas nacionais africanas, o que evitaria os problemas que citam alguns dialetólogos e gramáticos (GONÇALVES)[30]; o mesmo acontecendo com os crioulos (PEREIRA)[31] que hão de ensinar-se com o Português Europeu.
No caso do Brasil já Celso Cunha havia alertado para o problema (CUNHA)[32] assim como outros autores (LUCCHESI, LOBO)[33] mais recentemente; enfim, a mudança linguística existe no PE e no PB e existem variações linguísticas nascidas das derivas naturais da língua Portuguesa, com maior unidade estrutural do que outras línguas novilatinas e não só, mas a gramática, a fonologia e o léxico mantêm-se substancialmente nos espaços tão vastos onde se fala a nossa língua.
Tenho para mim que há alicerces básicos como a Gramática do Português Contemporâneo de Cintra e Cunha de 1984[34], que recolhem os dialetos Galegos, Portugueses e Brasileiros do nosso diassistema; o Acordo Ortográfico de 1990 que unificou a escrita, tanto quanto possível, da nossa língua comum, e que deve ser implementado o mais cedo possível com o VOCT — Vocabulário Ortográfico Comum e de Terminologia — e o DACL, Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, 2001[35], ao que se deve seguir um Grande Dicionário da Língua da Lusofonia, a partir do Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, António Houaiss, etc., com suporte informático, de papel, e outros, de maneira a servir todos os utentes da língua Portuguesa no mundo, nos cinco continentes.
Defender a unidade na diversidade, a unificação terminológica (HERCULANO DE CARVALHO)[36], uma política de língua comum (language planning) parece o mais correto nesta altura histórica, em que a lusofonia serve 4% da população mundial, com mais de 240 milhões de falantes (UNESCO)[37].
2. Em defesa da unidade da Língua Portuguesa, Língua Histórica, Língua da Lusofonia
É lamentável, havendo um continuum galego-português, como diz COSERIU[38], que haja pessoas que envidam esforços no sentido de provocar a desagregação da língua Portuguesa, tentando separar o que o mesmo povo e etnia sempre manteve unido e que forças políticas tencionaram dividir, procurando espanholizar a Galiza e privá-la da sua língua Portuguesa, a mesma de Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc. (HUBER)[39], quando é que o Português e a língua castelhana podem conviver na Galiza, o Português como língua própria e o castelhano como segunda língua instrumental, além de outras línguas europeias de cultura que devem ser introduzidas no ensino, em benefício dos cidadãos da Galiza que cada vez mais hão de ser multilingues na Europa das línguas e das culturas díspares e diversas (FONTENLA)[40].
É óbvio que o portunhol 1 do ILG-RAG e o portunhol 2 da AGAL estão num beco sem saída e pressupõem um notório intento de desagregação da língua nos aspetos ortográfico, morfológico, sintático, fonético, fonológico, semântico, lexical, etc., por razões extralinguísticas no primeiro caso, de subordinação ao poder e ao castelhano; de tentativa de construir uma terceira via, anti-portuguesa também, no segundo caso, voltando as costas à História, para formular por língua igualmente de elaboração (ausbau) uma alternativa ao PE — Português Europeu — e PB — Português do Brasil, plagiando até o Português para o deturpar e alterar, desnaturalizando-o. Quem assim age está a agredir a língua do povo e o povo-povo, que a fala a norte e sul do Minho e raia seca, no continente europeu e nas ilhas, no Brasil, nos PALOP e em Timor, que aceitaram a nossa língua como oficial. Em ambos os casos trata-se de imperialistas fracassados como diria Castelão, porque a língua Portuguesa continua, malgrado todas as normas impostas contra ela, sob a forma do portunhol 1 do ILG-RAG e portunhol 2 da AGAL, na boca do povo-povo, Zé-Ninguém da História, mas que soube conservar a língua nacional e pessoal através dos tempos.
O que é grave é que no ensino, na administração, na TV, etc., cada vez mais, em consequência da filosofia (?) linguística (preconceitos) dos defensores do portunhol 1 e 2, que querem elaborar uma norma e uma língua ausbau, por elaboração a partir de moldes do espanhol, se esteja a eliminar os aspetos ortográfico, morfológico, sintático, fonético, fonológico, lexical, etc., para confirmar como língua predominante e de cultura a espanhola, e como língua subordinada e de patois ou mistura de Português e Espanhol (portunhol), em maior ou menor grau, o Português.
Tal extremo chega também ao que chamam o “Galego científico” (GARRIDO, RIERA)[41] em que plagiam o PE e o PB mas impondo a ortografia da AGAL, que tem presumivelmente traços medievais, mas que não fizeram em muitos casos parte da história da língua, antes correspondendo a processos de língua de laboratório (por elaboração, ausbau), dificilmente justificáveis em quem devia saber linguística, sociolinguística, romanística, etc.
E toda esta elaboração de portunhol 1 e 2, como que respeitando o Português como língua histórica e língua da lusofonia (ESTUDO CRÍTICO, MONTEAGUDO, SALGADO)[42], dizendo que se recorre ao Português para a terminologia, como a língua mais adequada, etc., enquanto se atenta contra a sua unidade estrutural e se defende a sua desagregação, a todos os níveis, até com perseguição de professores, alunos, escritores, intelectuais, cidadãos que não aceitam a burla de se inventar uma língua diferente do Português do povo e da Nacionalidade Galega, que é a mesma do PE — Português Europeu, do PB — Português do Brasil, PALOP, Timor, etc.
Não há dúvidas de que a um Estado Espanhol democrático, de caráter confederal-federal (VILAR TRILHO)[43] e à República Portuguesa democrática lhes convém que o Estado Espanhol tenha duas línguas oficiais na Galiza, o Português como língua própria a o Castelhano ou Espanhol como 2ª língua instrumental; o caso do Estado espanhol é similar, pois com o Português pode entrar no vasto mundo da lusofonia dos três AA (América, África, Ásia), além da UE e da Galiza-Portugal, e com o espanhol pode entrar no imenso mundo da Hispanofonia. Pense-se no Mercosul e em outras perspetivas da África lusófona e não só. Parece, pois, do maior interesse para Galiza-Portugal e para o estado Espanhol que o Português se mantenha na Galiza, com o espanhol como 2ª língua instrumental, e outras europeias de cultura como 3ª e 4ª línguas: Inglês, Francês, Alemão, etc.
Os traços isófonos e isoglóssicos fazem pensar que o Português abrange Galiza-Portugal e zonas das Astúrias, Castela-Leão e da Estremadura espanhola, além do caso claro de Olivença (LUNA, MATIAS)[44].
Enfim, mantém-se o que afirmava HUBER[45] na sua Gramática do Português Antigo em 1933: “O Português — que fora da República Portuguesa ainda hoje se fala na província Espanhola da Galiza, situada ao norte de Portugal (…) proveio, como as restantes línguas românicas, da língua romana corrente”; também as IRMANDADES DA FALA em 1933[46] afirmavam: “chegamos ao pleno conhecimento, verificável por quem quiser, de que não há termo nitidamente Português que não seja Galego, e vice-versa, coisa que convém sublinhar para que não seja desconhecida por ninguém” (Pena Mosteiro, Salvador foi o editor e prefaciador do Vocabulário das Irmandades da Fala de 1933).
O levantamento do Português Europeu desde a Galiza-Portugal às ilhas regista os dialetos Galegos, Portugueses, das ilhas, como recolheram Cintra e Cunha na sua Gramática do Português Contemporâneo, de 1984, juntando aí os dialetos Brasileiros, como é natural. A unidade estrutural da língua tanto num sentido diacrónico como sincrónico, desde a aparição dos primeiros textos em Português até hoje é superior à do Espanhol, Francês, Italiano, Catalão, etc., só para citar algumas línguas novilatinas, e também à do Alemão, do Neerlandês, etc., não cabendo aqui falar de línguas diferentes mas de diferentes variedades dialetais próprias de toda a língua.
Assim, pense-se na diferença de pronúncia, sotaque, linguajar, etc., a norte do Minho e Trás-os-Montes, Minho Português, de j, g, ch; confusão de v-b; persistência do ditongo ei face ao sul, onde é subsumido (ribero em lugar de ribeiro, etc.) ou no ditongo ou na mudança para oi (ouro/oiro), o /s/ Beirão, os dialetos de Castelo Branco e Portalegre ou do Barlavento algarvio, para além das variedades dos Açores, Madeira e fronteiriças, etc., diversidade e interferência em Olivença, Galiza, zonas lusófonas das Astúrias, Castela-Leão, Extremadura… as variáveis em vocalismo e consoantes, etc., que Fernão de Oliveira informa na sua Gramática de lingoagem Portuguesa, e que verifica o fenómeno de engolir as vogais cada vez mais para o sul em Portugal mantendo-se ainda no Português da Galiza e do Brasil (MARQUILHAS)[47].
Há divergências em Portugal entre os falares de norte a sul e do interior e litoral, como também na Galiza, nas ilhas de Madeira e Açores, etc., em que se realizam plurais à Galega, etc., e isso só demonstra a unidade estrutural da língua no domínio linguístico da faixa atlântica da Galiza-Portugal e ilhas; no que chamamos PE — Português Europeu, mas que também está relacionado com o Português do Brasil como Português estagnado, o que aliás acontece com o espanhol da América Latina ou formas não-castelhanas das falas espanholas das Canárias, Extremadura, Andaluzia, etc.
No Português do Brasil a pronúncia do E átono principalmente em posição final em I (tardi por tarde, ponti por ponte) e também pirigo, ricibo, etc., ou minino, milhor — que também se deem estes últimos no Português da Galiza não implica grande diferença do PE; assim também optaram os Brasileiros[48] pela terminação diminutiva em – inho em vez de – ito como os Galegos.
Em todo o caso, a variedade dialetal não faz a norma padrão que neste momento representa o DACL para o Português Europeu, que acolhe todas as variedades do diassistema através de focos ortoépicos standard ou padrão, sem alterar a estrutura natural da língua e seu génio ou identidade entre outras línguas ou realizações díspares da mesma língua. Todos os autores entendem que a questão da língua Portuguesa da Galiza (MARTINHO)[49] é questão de linguística e não de política pelo que se deve cingir à linguística (AZEVEDO MAIA, MIRA MATEUS, AZEVEDO FERREIRA, FERREIRA, CARRILHO, LOBO, SARAMAGO, DA CRUZ)[50] e que faz parte do PE, Português Europeu, e do PB, Português do Brasil, nalguns traços arcaicos e outras caraterísticas, que citamos supra, motivo pelo qual nós, os Galegos, participamos na elaboração dos dois Acordos Ortográficos da Língua Portuguesa de 1986 e 1990, ajudando a elaborar uma Ortografia comum para a nossa língua (FONTENLA)[51], tendo presente, como põe em relevo DURÃO[52], que “a ortografia do Português baseia-se na que evoluiu do seu berço original, conservando a configuração histórico-etimológica do romanço ocidental e representa a superação das diferentes variedades da fala num só padrão ortográfico supradialetal, reconciliando a economia gráfica com a fidelidade à etimologia e ao génio histórico da Língua” (in “Prontuário Ortográfico das Irmandades da Fala”, 1984; o porquê da edição deste Prontuário e a Didática, com sistema de acentos, normas gráficas, etc., são de minha autoria, e o Prontuário de Durão; há edição revista de 2000, em disquete).
E Durão ainda esclarece, relativamente à ortografia, “a oficialização da língua nos estados Português, Brasileiro, etc., determinou a fixação de mais de uma norma ortográfica dentro do mesmo padrão linguístico… mas estas divergências normativas menores não impedem a consciência e o reconhecimento expresso de pertença a uma língua comum.”
Mas nós, os Galegos, não pedimos só uma ortografia unificada como também uma ortofonia comum mínima ou ortologia, ortoépia[53]; e uma dicionarística comum, terminologia uniforme, etc., pelo que nasceu o VOCT, Vocabulário Ortográfico Comum e de Terminologia, para toda a Lusofonia, na negociação do primeiro Acordo Ortográfico de 1986, o que se continuou no Acordo de 1990, mas que infelizmente não se implementou ainda por causas políticas, ao travarem o processo Presidentes de Estado, Primeiros-ministros e Ministros, na Cidade da Praia, a 17 de julho de 1998 (!) através de um Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, paralisando assim toda a reforma ortográfica necessária à lusofonia.
Em definitivo, mantemos um discurso de unidade da Língua Portuguesa, como é natural, face à desagregação, com base no Acordo Ortográfico Comum, Ortofonia ou Ortologia comuns, Gramática Comum e Dicionarística e Terminologia Comum, assim como presença ativa nas NTI — Novas Tecnologias da Informação, IU — Indústrias da Língua, SE — Sistemas Educativos, etc., além do início do andamento do IILP — Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com outra sede mais na Europa para receber subsídios e ajudas da UE, assim como no Brasil, além de em Cabo Verde. Queremos um IILP operacional, dando impulso à língua na Europa nascida, e hoje língua dos cinco continentes.
O Português da Galiza faz parte do Português possível (FONTENLA)[54] do século XXI e do III milénio, não do galego (im)possível (FAGIM)[55], que está num beco sem saída em todos os aspetos: ortográficos, morfológicos, sintáticos, fonéticos, fonológicos, lexicais, etc., constituindo um portunhol (mistura de Português substrato com espanhol imposto por ausbau ou elaboração) que morrerá neste século, através de um processo de substituição linguística e assimilação aculturadora (BREA, BRANCO)[56].
Nem o portunhol 1 do ILG-RAG, apesar das propostas de reforma do ano de 2001[57], nem o portunhol 2 da AGAL, malgrado as intenções de o impor em Portugal em revistas, ou na Galiza (AGÁLIA)[58], poderão resistir sem se integrar no Português de que fazem parte, como queria RODRIGUES LAPA[59], ou propunha COSERIU[60], ou GREGÓRIO SALVADOR[61], nada suspeito neste tema, eliminando toda a ortografia, morfologia, sintaxe, fonética, fonologia, léxico, etc., espanhóis voltando à fons et origo da língua comum Galego-Portuguesa em origem e depois Portuguesa, por ação dos Portugueses na descoberta de dois terços da humanidade.
Nas Gramáticas decimónicas Portuguesas, e não só, a língua da Galiza aparece como codialeto do Português, naturalmente; e assim o recolhem diferentes autores da romanística, tão degradante situação sofreu a nossa língua comum, a norte do rio Minho, na Galiza; Krüger, Schneider, Diez, Huber, etc., recolhem este Português arcaico, estagnado, rebaixado a língua de lavradores e marinheiros, e quase nunca usado pela burguesia, e menos pelo poder, que se efetivava em castelhano, língua companheira do império, no dizer de Nebrixa, já em 1942, aquando da sua primeira Gramatica de la Lengua Castellana.
Assim, os iluminados Feijoo e Sarmiento esclarecem que a língua Portuguesa nasce da Galega, ou Oliveira Martins ou Leite de Vasconcelos, ou Mattoso Câmara Jr. ou Vasconcelos, sendo que já Nunes de Leão ou o Marquês de Santillana falavam da língua Portuguesa ou Galega; e ainda Teófilo Braga reconhece que Portugal nasce de um retalho da Galiza.
Há toda uma tradição romanística que mantém que a língua é a mesma, se bem que da parte de Portugal, ao não ficar sob as patas do leão de Castela, “se aventajou por em Portugal haver reis e corte que é a oficina onde os vocábulos se forjam”[62]. Azevedo Maia[63] tem analisado o fenómeno linguístico de maneira séria e acaba por reconhecer que o mesmo diassistema sofreu interferências políticas, como Helena Mira Mateus[64], etc.
Eis o que faz que o portunhol enfrente atualmente o Português e provoque a sua desagregação, o que devemos impedir através de todos os recursos de que dispomos e de quantas políticas da língua sejam precisas.
A nossa língua Portuguesa tem uma unidade estrutural através do tempo, que se realiza em elementos lógico-semânticos do conteúdo e em elementos comunicativo-pragmáticos; uns da imagem cognitiva; os outros da situação comunicativa. Os sememas (significados), fonemas (significantes), lexemas (portadores de significado lexical) e morfemas (portadores de sentido gramatical) constituem essa estrutura e o relacionamento entre estruturas de conteúdo e estruturas de expressão permitem avaliar a unidade estrutural da língua histórica, nos termos de Coseriu; Gärtner[65] explicita como os verbos em Português são capazes de constituir quatro tipos sintáticos de predicado: verbal, nominal, verbo-nominal e de verbo funcional (p. ex., dar permissão, fazer uma pergunta, pôr em dúvida, ter em conta, etc.), tipo não considerado geralmente nas gramáticas de Português, acrescenta.
Para este autor a relação entre as estruturas de contudo e as estruturas de expressão não são idênticas, são assimétricas, cabendo a sinonímia sintática e a homonímia sintática. A estrutura semântica do Português mantém-na este autor através de enunciados simples, complexos, e transformações de enunciados simples e complexos, descrevendo as palavras segundo a sua morfologia, incluindo as realizações fonéticas europeia e brasileira. Gärtner trata da ordem dos elementos oracionais da perspetiva funcional, das construções clivadas conforme o predicado, das orações de voz passiva, das interrogativas, das exortativas, das orações de resposta tão típicas dos lusófonos, em que se responde com o verbo; as orações optativas e exclamativas (globais, parciais, etc.), dentro de uma conceção funcional, que nos diz respeito à unidade da língua e sua defesa.
Em todo o caso, a língua é algo histórico, evolui; é companheira do ser humano; e a variação é o modo de ser língua; fala-se, segundo Coseriu[66], em variação diacrónica ou histórica; e em variação sincrónica, em período de transição entre formas concorrentes; e ainda de variação diatópica ou geolinguística ou dialetal; de variação diastrática ou social; de variação difásica de “registo” ou idioleto; mas há ainda entre linguistas algumas vezes diferenças entre dialetos e variedades, reservando-se as falas como locoletos, quando ocupam apenas uma localidade; mas em todo o caso, conforme há um continuum na língua histórica, há um continuum dialetal, de tal forma que é dificílimo não encontrar fenómenos similares nas falas no mesmo domínio linguístico, p. ex., do Português possível (FONTENLA)[67] ou do Português in toto, da Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc., do que constitui um diassistema ou uma língua histórica no sentido de Coseriu.
Assim alguns autores consideraram que as falas da Galiza ou dialetos Galegos, como os setentrionais, centro-meridionais, insulares, etc., Portugueses e Brasileiros, fazem parte da mesma língua histórica e, portanto, devem assumir o Português padrão para a realização culta, por acolher o padrão todas as formas de realização oral enquanto tal padrão, com o que concordamos.
Os dialetos transmontanos e alto-minhotos, os baixo-minhotos, durienses e beirões, do centro-litoral e do centro-interior, e insulares dos Açores e Madeira têm realizações orais similares, tal como acontece no Brasil, ou na Galiza, de maneira que traços isófonos e issoglóssicos permitem confirmar que a língua é una e a mesma, em todo o domínio linguístico do Português, da Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc. (em etc. incluímos zonas transfronteiriças do Português atual, das Astúrias, a parte de Castela-Leão que foi tirada à Galiza em 1833 pelo ministro espanhol Javier de Burgos, da Extremadura, Olivença, etc., que até autores como Gregório Salvador e outros consideram naturalmente fazer parte do Português continental).
Os defensores do portunhol 1 e 2 procuram a desagregação da língua comum, e como no Crátilo de Platão “vão modificando as palavras originais até que nenhum ser humano consiga entender o que a palavra significa”, colonizando espanholamente o povo-povo lusófono da Galiza e esmagando a Pátria Galega, Mater da lusofonia, onde a língua Portuguesa nasceu em território da Galiza Magna (PIEL)[68], que chegava até ao Mondego (LAPA)[69].
3. Contra a desagregação da Língua Portuguesa: A/Integracionismo de Rodrigues Lapa e Língua Histórica de Coseriu
É o integracionismo de LAPA[70] em “Estudos Galego-Portugueses: Por uma Galiza Renovada” de 1979 que vai proclamando a necessidade de assumir-se pelos Galegos o Português padrão como língua de cultura e para evitar a dialetalização e castelhanização do Português da Galiza (MARTINHO)[71]; também em dois trabalhos que me enviou e que não puderam ser publicados imediatamente na altura, “A reintegração linguística galego-portuguesa — um drama que afeta a nós todos”[72], já publicado naquele livro e na Nova Renascença, e o que considero inédito, “O problema linguístico da Galiza: sobre cultura e idioma na Galiza”[73], até ser publicado por nós em 1985 (discurso proferido na Exposição do Livro Galego na Universidade de Aveiro a 16 de julho de 1982).
O saudoso amigo Lapa remetia textos que já estavam nos “Estudos” e que optam pela integração da língua da Galiza no sistema Luso-Brasileiro; afirma LAPA[74] que “em meados do século XIII, já de há muito, estavam politicamente definidos os limites da Galiza e de Portugal; … para uma justa compreensão do fenómeno trovadoresco teremos de admitir uma perfeita unidade cultural entre as duas regiões…” acrescentando que “o povo Galego tem sabido conservar, através de tudo, com uma teimosia passiva, que é a nota dominante do seu caráter atual, o indigenato da sua cultura, que, sendo Galega, é também portuguesíssima.”[75]
Para afirmar ainda “o único remédio eficaz para a salvação do idioma (da Galiza), gravemente ameaçado, deverá ser uma decisiva aproximação com o Português, que poderá considerar-se a expressão literária do Galego”[76], citando Lopez-Aydillo, Portela Valladares, Correa Calderon ou Herculano, “Virando-nos para o mar, em qualquer ponto que estejamos, o Galego rebenta-nos direita”, o que equivale a dizer que, para o insigne historiador, todo o Portugal é Galego, “muitas vezes sem saber que o é.”[77]
Lapa ainda diz: “Esse idioma Galego, que nos parece hoje um pouco diferente do nosso, tem uma história melancólica como a do indivíduo que o fala. Degradou-se por falta de cultivo literário, e conservou-se no seio do povo.”[78]
E que a “construção da língua literária comum é hoje, mercê de circunstâncias diversas, a tarefa urgentíssima do Galego. Esta koine tem de surgir acima dos particularismos locais e terá de se apoiar, obviamente, não no castelhano, mas sim no Português.”
“Há pois que restaurar o Galego e obrigá-lo a ser o que já foi: um instrumento artístico, que as devastações do tempo, a maldade e a incúria dos homens foram deteriorando e desfigurando, até ficar no estado em que o vemos. Totalmente identificado, nos séculos XII e XIII, com o Português, separou-se deste por razões conhecidas, mas nem por isso deixou de ser radicalmente a mesma língua”… “Nada mais resta senão admitir que, sendo o Português literário atual a forma que teria o Galego se o não tivessem desviado do caminho próprio, este aceite uma língua que lhe é brindada numa salva de prata”… “Daqui a vinte e cinco anos, essa língua renascida para a civilização, incorporada já de plenos direito no idioma de Portugueses e Brasileiros, seria lida por mais de 200 milhões de indivíduos.”
“De qualquer forma, e para conforto dos que o amam, o Galego não morrerá, por uma simples razão: é que ele está bem vivo e razoavelmente puro no Português de hoje”[79].
Lapa cita ainda Biqueira, Castelão, Tettamancy, e afirma “A língua não é apenas um meio simples, imediato, de comunicação; é também, e talvez acima de tudo, em sua forma literária, uma admirável criação artística, de que nem o homem nem a sociedade, qualquer que seja, poderão jamais prescindir. É este último ponto que hoje está na em causa do problema do Galego: não se trata do idioma vulgar, que continuará a existir, mas da criação ou apropriação de uma forma literária de alto nível que, por sua vez, irá melhorando e salvando a fala corrente. E dizemos apropriação porque o caso do Galego é uma exceção felicíssima: essa língua literária de que ele carece está feita desde há oito séculos e chama-se hoje Português”[80].
Lapa ainda dirá “… parece-me que a reforma do Galego deveria começar pela reforma ortográfica e do seu léxico, banindo dele as formas espúrias que o abastardam… são ainda pouco numerosos os estudos de geografia linguística a alto nível e recobrindo todo o território Galego; mas o que há feito demonstra até que ponto calamitoso os falares locais estão sendo invadidos e desfigurados pelo castelhano. À mixórdia que daí resulta dá-se o nome de castrapo”… “pois desde uma perspetiva Portuguesa que cumpre encarar a recuperação literária do idioma de além Minho e sua promoção a língua de cultura”[81].
Ainda disse Lapa[82]: “Um caso muito curioso convém aqui assinalar: quando se faz o cômputo de lusofalantes, nuca se considera para o efeito o nome da Galiza, nossa vizinha. Além de revelar a mais supina ignorância do facto em si, dado que o Galego não é mais do que uma forma arcaizante do Português, ou do Galego-Português, como quisermos, faz ainda com que as contas nos saiam erradas. Com efeito, rouba ao resultado final cerca de 5 milhões indivíduos: os Galegos sediados na Galiza e outros tantos em países de emigração”…
“Aos Galegos temo-los aqui desde há séculos, incorporados na nossa população, nos nossos costumes e língua, que é a mesma” e “o Português literário, sem garantia de propriedade, é privilégio de três países, Galiza, Portugal, Brasil, a que se juntaram agora mais cinco nações africanas emancipadas.”
Lapa cita Saussure e Bally para diferenciar língua oral de língua escrita, língua falada e língua literária e advoga sempre um padrão português que acolha todos os lusófonos. O contributo de Lapa nos anos 70 teve repercussões positivas e assim foi que uma delegação da Galiza, que me honrei em presidir, esteve presente na negociação dos dois acordos ortográficos de 1986 (ortografia simplificada) e 1990 (ortografia unificada) da Língua Portuguesa, sabendo que o saudoso Prof. R. Lapa concordaria com a nossa posição de defender uma ortografia tão uniforme quanto possível e uma ortofonia comum mínima, além de um VOCT — Vocabulário Ortográfico Comum e de Terminologia — e uma dicionarística comum, de suporte informático, de papel, etc. R. Lapa foi apoiado por Coromines, Martinho, Chaves de Melo, Sílvio Elia, Azevedo Filho, etc., a fim de conseguir a unificação do Português o mais possível, já no século XX.
Infelizmente, ao não existir uma clara política de língua (language planning) de toda a lusofonia ainda a Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc., têm que sofrer o alto preço de terem duas ortografias para a mesma língua, o PE, Português Europeu e o PB, Português do Brasil, pelo qual ainda há que reagir a fim de termos uma política comum a toda a lusofonia: Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc., em termos de ortografia, ortofonia, terminologia, terminótica, indústrias da língua, novas tecnologias, etc. (FONTENLA)[83].
Trazemos ainda à ribalta o pensamento de outro grande amigo da Galiza, o Prof. COSERIU, que defendeu o Português como língua histórica e esclareceu a situação atual do Galego, face à desagregação que se quer impor a este Português da Galiza (MARTINHO)[84], por razões políticas e de assimilação cultural e substituição linguística (BREA, BRANCO, GIL HERNANDEZ, RABUNHAL CORGO, CRISTÓVÃO)[85], através do portunhol 1 do ILG-RAG e do portunhol 2 da AGAL, afetando a estrutura da língua Portuguesa no aspeto ortográfico, ortológico ou ortofónico, gramatical, sintático, fonético, fonológico, lexical, etc., id. est, destruindo a unidade estrutural do Português como língua europeia de cultura de dimensão internacional-intercontinental, língua da Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc., e dos organismos internacionais como a UE, OEA, OUA, ICO da ONU, UNESCO, OMS, OIT, AIJ, etc., que a têm como oficial ou de trabalho (SEABRA)[86].
Vamos acrescentar, contra a desagregação da língua Portuguesa, a opinião de COSERIU que já em 1987 afirmava[87]: “O Galego e o Português continuam pertencendo ao mesmo conjunto, ao mesmo continuum linguístico… historicamente, o Português é o Galego da Reconquista e é até hoje, em todas as suas formas, a continuação desse galego. Isto vale também para o Português literário e comum em sua relação com o Galego literário medieval, pois a tradição desse Galego foi adotada e continuada pela língua literária Portuguesa. Trata-se, portanto, do caso, bastante raro na história das línguas, de uma língua que precisamente na forma em que se difunde e se constitui em língua comum e grande língua de cultura, se chama com outro nome: já não Galego, mas Português. É um caso análogo ao do Holandês literário e comum, que, em suas origens, é uma forma de baixo-alemão; só que a base comum do Galego e do Português era um idioma muito mais unitário do que o conjunto de dialetos baixo-alemães e que, devido também a diferenças quantitativas, ninguém considera o baixo-alemão como forma do Holandês.”
Quando nomeado Doutor Honoris Causa pela Universidade de Vigo em 25 de março de 1995 Coseriu afirmou[88] “que uma língua não se impõe por decreto” referindo-se à imposição por decreto das normas ortográficas e morfológicas do espanhol ao Português da Galiza por Decreto de 17 de novembro de 1982 posto em vigor a 20 de abril de 1983; o ilustre linguista afirmava nessa data do ano de 1995: “O Galego, depois da Idade Média, deixou de subsistir na Galiza como norma idiomática suprarregional, enquanto o centro da língua literária, a língua comum, se deslocava para o sul, para o condado de Portugal. O problema do Galego na atualidade é o do estabelecimento de uma nova norma por cima da variedade. E, na minha opinião, felizmente dão-se boas condições tanto objetivas como históricas para estabelecer essa norma. Porque se a variedade do Galego é enorme, trata-se de uma variedade superficial. Um galego camponês monolingue de uma zona entende-se perfeitamente com outro de outra zona, apesar da variedade… além do mais, aqui na Galiza também se dá outro fator que facilita a constituição da norma, como é o facto de que desde o ponto de vista histórico existe já uma forma comum que se estabeleceu a sul, naquilo a que eu chamo a Nova Galiza. Porém, são os Galegos os que devem decidir se lhes é mais útil ou mais prático recorrer a essa forma de Galego a que se chama Português ou Galego da Reconquista, ou criar uma norma sobre a base do Galego atual… a ninguém se pode impor por Decreto uma Língua. A língua é sempre um saber e o verbo saber não se conjuga no imperativo.”[89]
Coseriu sustentava que o Português é Galego, como os iluminados galegos Feijoo e Sarmiento, etc., o Galego da Reconquista, aperfeiçoado e evoluído, por haver reis e corte, como dizia Nunes de Leão, que é a oficina onde os vocábulos se forjam; aspeto sociolinguístico, de poder, que o gramático Português põe em destaque já no seu tempo.
Nas escolas de Romanística sempre se consideraram o Português da Galiza e de Portugal uma mesma língua, com traços isófonos e isoglóssicos comuns, atendendo às diferentes variedades dialetais do PE — Português Europeu.
Ainda se consideram os traços do PB — Português do Brasil — que não são tão diferenciadores e que conformam substancialmente a mesma língua (ELIA, CUNHA)[90].
Se o integracionismo de Lapa e a língua histórica de Coseriu permitem confirmar a unidade estrutural da língua Portuguesa, ainda outro autor espanhol, GREGORIO SALVADOR[91], permite trazer à ribalta uma posição de reafirmação da unidade estrutural da nossa língua. Diz: “Pelo que respeita ao Galego há que lembrar que não é outra coisa que um dialeto arcaico e mais ou menos castelhanizado do Português e que precisamente a sua normalização atual, como língua oficial decretada pelo Estatuto (de autonomia), enfrenta os chamados isolacionistas, partidários de respeitar nela o seu estado atual, de baseá-la nas suas atuais variedades dialetais, de regaleguizar, ao mais, a partir delas, a castelhanização geral, com os chamados integracionistas, que reivindicam a vinculação Portuguesa e que pensam que o Galego normalizado não pode ser outra coisa do que o Português escrito e que, além do mais, deve identificar-se com essa língua, da que o Galego é simples variedade, o que equivale a converterem-se em utentes da sétima língua do mundo por número de falantes, o que na sua natural situação de bilinguismo com o espanhol outorga aos galegos o privilégio de um universalismo linguístico dificilmente comparável.”
Em todo o caso, esta identidade linguística entre Português e Galego, indiscutível para qualquer romanista, eximiu-se de conceder-lhes identidade própria nesta análise aos núcleos fronteiriços de fala Portuguesa, que se localizam na província de Salamanca (La Almedilla), na de Cáceres (Valverde del Fresno, Eljas e S. Martin de Trevejo; e mais ao sul, nas margens do Tejo, Cedillo y Herrera de Alcantara) e na de Badajoz (a zona de Olivença).
Vamos ficar por aqui, embora existam mais linguistas e estudiosos que defendem a unidade da língua Portuguesa da Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc., e aceitem a doutrina clássica da Romanística de que a língua Portuguesa mantém uma unidade estrutural profunda, malgrado ser falada em alargados espaços nos cinco continentes do planeta, com uma envolvente sólida que a faz a língua mais homogénea das românicas, 2ª a nível mundial e 3ª europeia de cultura.
4. Contra a desagregação da língua Portuguesa: B/ortografia comum, ortofonia, dicionarística, terminologia
Vimos como os falares ou variedades da língua Portuguesa no mundo se integram na língua histórica que nasceu na velha Gallaecia romana que chegava até ao Mondego; e que a ortografia, morfologia, sintaxe, fonética, fonologia, léxico mantinham uma grande unidade, uma enorme homogeneidade, mas que existiam intentos de desagregação da nossa língua através do portunhol 1 do ILG-RAG e do portunhol 2 da AGAL, já num beco sem saída, na era das NTI, IU, terminótica, etc., quando decorre uma luta glotopolítica entre as línguas europeias de cultura e não só, não só na Europa mas também no espaço mundial, por efeito da globalização (FONTENLA)[92].
Para travar as derivas da língua (drifts) e manter uma política comum de toda a lusofonia em prol da língua Portuguesa devem ter-se em consideração alguns aspetos importantes de planeamento linguístico, que abranja todo o domínio da lusofonia europeia (Galiza-Portugal), americana (Brasil), africana (PALOP), asiática (Timor); temos à partida a ortografia comum fixada nos Acordos Ortográficos de 1986 e 1990, devendo pôr-se em vigor quanto antes este último a bem da língua Portuguesa, pois uniformiza tanto quanto possível a ortografia da nossa língua (FONTENLA)[93].
Ainda é precisa uma ortofonia, ortologia ou ortoépia comum mínima, ministradas nos SE e nos MCS, etc., de maneira a conseguir a maior unidade fonética e fonológica possível. Ainda bem que o DACL — Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa — de 2001 veio cobrir esse vazio para o Português Europeu que seguem a Galiza, Portugal, PALOP, Timor, etc., além de organismos internacionais. Tudo deve fazer-se para ultrapassar o diferendo luso-brasileiro que supõe alto preço para a nossa língua ao manter duas escritas e duas maneiras diferentes de falar o Português, e que devem ser recolhidas adequadamente em dicionários de caráter informático e em suporte de papel.
Por isso a dicionarística é hoje fundamental e com as NTI permitem até considerar a língua Portuguesa como um recurso económico, e preparar programas de terminótica, terminologia, etc., além de introduzir a língua nas IU com força (FONTENLA)[94]. Um Grande Dicionário da Lusofonia é de facílima realização na atualidade com base nos já existentes, o DACL, Aurélio, Houaiss, etc., de maneira a juntar os esforços de todos os países lusófonos nessa matéria.
Ainda a terminologia é importantíssima (FONTENLA, HERCULANO DE CARVALHO)[95] para fixarem os terminólogos as devidas correspondências, evitando diferenças terminológicas, que atentariam contra a unidade estrutural da língua Portuguesa.
Somos otimistas e achamos que já no séc. XXI e no III milénio, todos os países lusófonos (Galiza, Portugal, Brasil, PALOP, Timor, etc.) e os organismos internacionais que têm a nossa língua como oficial ou de trabalho estão disponíveis para uma política de língua nesse sentido, da mesma maneira que acontece com outras línguas de dimensão internacional-intercontinental como a nossa. Não é coisa de somenos importância, quando a nossa língua serve 4% da população mundial nos 5 continentes e tem à sua frente um futuro esplendoroso.
Da Pátria da Língua fazemos votos para que todas as Pátrias da Língua Portuguesa possam neste século e neste milénio avançar por caminhos de progresso e de humanismo, a partir do uso da 2ª língua românica do mundo, na velha Gallaecia romana nascida. Que assim seja.
Cabedelo, Viana do Castelo, Portugal, 2002
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