de diálogos lusófonos
O julgamento de Tintin (ou: se o ridículo matasse)Não é uma farsa – é um julgamento a sério. Mas, em sendo a sério, não deixa de ser um farsa: um livro de Tintin (“Tintin no Congo”) foi atirado para o banco dos réus porque um imbecil se sentiu ofendido pela apologia do colonialismo feita no livro. E porque o livro está – no entender desta luminária – repleto de mensagens racistas. É pena o julgamento ser na Bélgica. Se fosse cá, o professor Boaventura suspendia a suspensão na ordem dos advogados para ser o causídico desta causa tão progressista. Entretanto, o insólito é não ser uma pessoa a emprestar os costados ao banco dos réus. É um livro. E nem por ter sido publicado em junho de 1930 demoveu a luminária progressista que tanto esgadanhou no passado que, quem sabe se para se fazer notar (os seus cinco minutos de fama), impugnou o livro. O que está mal é um ignorante meter-se com a liberdade artística. E impedir os outros, os que porventura devoram as histórias de Tintin, de terem acesso a uma dessas histórias só porque o queixoso se considera ofendido pela obra (e considera que toda a raça negra é ofendida, como se ele fosse porta-voz da negritude). Se a moda pega, temos a inquisição, nas sua vestimenta hodierna, a bater à soleira. E se a moda pega, e outros dementes com sede de protagonismo desatarem a meter em tribunal obras que agora são politicamente incorretas, os tribunais todos não chegam para os julgamentos. A não ser que os juízes tenham a decência de rejeitar ações judiciais datadas. Pelo andar da carruagem, os poetas malditos eram proscritos e as suas obras nem para curiosidade arqueológica sobravam. As páginas das obras primas, só porque foram escritas noutra era em que se admitiam ideias hoje desterradas para o mau gosto, deixariam de ser dedilhadas pelos espíritos ávidos de conhecimento. A cultura seria um enorme espartilho filtrado pelos novos censores afivelados no crivo do aceitável. Não aprendemos nada com o pretérito. O estalinismo deixou, definitivamente, cicatrizes por sarar. A arte refaz-se sob a batuta dos verdugos que se acham decantadores do politicamente correto. Ontem, foi o capitão Haddock que perdeu o cachimbo, pois fumar passou a ser pecado mortal. E amanhã, o que nos está reservado neste revisionismo literário que perfuma o fim das liberdades? Banir o Tintin dos livros para crianças é ‘loucura politicamente correcta’, diz jornal do Vaticano09 | 11 | 2011 17.26H “Tintin no Congo”, o livro de banda desenhada banido da zona de crianças das livrarias britânicas é um exemplo de “loucura politicamente correcta”, de acordo com o jornal oficial do Vaticano. O L’Osservatore Romano saudou o pequeno repórter como um “herói Católico” e disse ser rídiculo a banda desenhada ser “tratada como uma revista pornográfica e colocada na secção de adultos” nas livrarias do Reino Unido. O jornal, que geralmente reflecte a posição do Vaticano, perguntou se o acto de censura – com base no livro ser racista – seria “uma protecção apropriada das crianças indefesas de Sua Majestade, ou loucura politicamente correcta à sombra do big Ben.” O livro, publicado pela Egmont, tem sido vendido em Inglaterra com uma tira protectora em volta, avisando que o retrato feito dos africanos ofenderia alguns leitores e que foi baseado nos “estereótipos burgueses e paternalistas da altura”. Mas um editorial do L’Osservatore Romano disse: “É essencial ter em conta o contexto histórico para evitar entrar no ridículo”, argumentando que o livro do Herge, o artista belga cujo verdadeiro nome era George Remi, reflectia os valores prevalentes na Europa entre as guerras. “O livro foi publicado nos anos 1930, e por essa razão expressa os valores da época – mas perturbará realmente os jovens bretões de hoje em dia, criados como são com a Internet, video games e fish and ships?” Se a correcção política retroespectiva fosse levada a um extremo então o Escutismo devia ser banido porque o movimento foi fundado pelo Lord baden powell, que para além de ser “um homem militar e escritor era também racista e eugenista”, disse o jornal. “E pensar que o fizeram Barão e Lorde. Mas sim, era Inglês.” Antes um jornal apenas de registo para cardeais e padres, o L’Osservatore Romano tem virado a sua atenção para a cultura popular nos últimos anos e com um novo editor. A defesa do livro é feita uma semana antes da visita do Papa a Benin em África e a semanas do lançamento do filme de Spielberg sobre o rapaz e o seu cão. http://www.destak.pt/artigo/110357-banir-o-tintin-dos-livros-para-criancas-e-loucura-politicamente-correcta-diz-jornal-do-vaticano |
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