terça-feira, 15 de novembro de 2011

O PORTUGUÊS E AS FALAS DA GALIZA


1.     ALEXANDRE BANHOS
ALEXANDRE BANHOS Nascido na Galiza no 1954 licenciado em Sociologia pela Universidade Complutense (Madrid) e Master em Gestão da Formação pela UNED. Desde 1984 é associado da AGAL e tem participado com regularidade nas atividades da mesma, sendo por duas vezes membro do Conselho da AGAL, em junho deste ano foi eleito Presidente da AGAL. Desde os começos dos anos 70 do século passado está ligado a movimentos culturais e de ativismo social a prol da língua e dos direitos humanos dos galegos e nomeadamente os direitos linguísticos, havendo sido membro de múltiplas associações culturais, políticas e sociais ocupando nas mesmas diversidade de cargos. 

O PORTUGUÊS E AS FALAS DA GALIZA
 Alexandre Banhos

Desde o ponto de vista da ciência linguística, galego e português formam o que em linguística se chama um diassistema, é dizer uma só língua, e as falas são variedades internas da língua.
Para exprimi-lo com mais exatidão: as falas galegas são português.  
Na intra-história moderna do galego há uma corrente de claro matiz regionalista, aceitadora da situação de subordinação à língua de Castela que tradicionalmente para ela o português não era mais que um irmão linguístico ainda que de muita utilidade. Mas em nenhum tratado de romanística ou de linguística se afirmava a separação linguística das falas galegas do português; porém Desde 1970 e sob o impulso das universidades espanholas essa a afirmação é um facto.
 -          Nos séculos escuros as palavras portuguesas também caminhavam para as falas galegas.
A comunhão das falas galegas e do português manteve-se nos séculos escuros apesar da prática desaparição da língua portuguesa escrita ao norte do rio Minho.
 -          O rexurdimento,   o pronto descobrimento do português na Galiza. Que foi o rexurdimento, que sabiam da língua os autores, a comunicação com Portugal...
 -          1870-1974, a construção do galego,   duas linhas: a autónoma e a "lusista": Nas duas o galego é vivificado intensamente polo português.
As falas galegas ainda têm uma grande uniformidade na sua superfície tem por baixo, quando nos mergulhamos nelas grande número de variantes locais e distinto jeito de se estar no mundo.
 -          O Galego das instituições autonómicas e o português. A construção do galego institucional e a sua extensão no sistema de ensino, o resultado.
 -          É viável  algum galego na Galiza que não seja português? A naturalização do castelhano na Galiza, o galego na dialética castelhano – português.   É possível a construção dum modelo de língua viável sem o português?

Houve alguma vez o galego-português?
 Todos os estudos de linguística histórica, (Carvalho Calero, Eugénio Coseriu...) vem a estabelecer que a língua portuguesa nasceu do latim do noroeste peninsular[1], o latim fermentado no Reino da Galiza (Suevo segundo a historiografia, porém eles nunca assim se chamaram), e que foi o primeiro reino que se constituiu dentro das fronteiras do império romano (Braga 410), esse português resultou da koiné das falas ocidentais que se estendiam numa faixa que ia desde Compostela (acrescido logo o nome com Santiago de) no norte, até Guimarães no sul.
Este modelo de língua vai ser o modelo de língua culta no que se vão peneirar as distintas variantes locais e sob o que se constitui a língua rica e chamativamente já muito uniforme, de todas as criações medievais aquém e além do Minho, sejam estas na lírica ou na prosa ou sejam simples documentos de tabeliães ou documentação cortesã, o que só pode se dar, quando há um modelo linguístico assumido polas elites sociais, o qual indica um alto nível de consenso nas elites dominantes no seu estabelecimento como língua de cultura e por tanto como o espelho no que se penteiam as diversas falas que compõem a língua.
A conversão da parte sul da Galiza num reino independente (1143) e a integração do reino da Galiza-Leão [2] a partir de fins do 1230 na órbita dos poderes centrais peninsulares é dizer o reino de Castela, que ainda que em princípio vai supor a ascensão da corte galega nos postos de Castela (Fernando III, Afonso X, Sancho IV), e o uso da língua portuguesa como língua cortesã nessa corte, e jungido a isso o prestígio da lírica portuguesa na península ao além do espaço da comunidade dos seus falantes. 
Mas a divisão do território político da língua portuguesa não impediu a continuação na unidade da língua em todos os seus extremos e que se mantivesse assim até o século XV, no que deixaram de chegar maciçamente ao norte do Minho os modelos e usos que iam sendo estabelecidos, na corte de Lisboa e na Universidade de Coimbra.
Que no século XV, ao norte de Minho se continue a chamar à língua portuguesa galego, e que ao sul do Minho ao que até daquela se lhe chamar galego, se começar a designar polo nome do reino como português, nada mudava as cousas.
Desde o ponto de vista da ciência linguística, e independentemente do que os falantes, em determinada altura podiam pensar, ao achar-se ante o facto das falas; galego[3] e português formam o que em linguística se chama um diassistema, é dizer uma só língua, e no que as falas são isso variedades internas da língua. Para exprimi-lo com mais exatidão e clareza, as falas galegas são português, tal afirmação foi tautológica até muito recentemente e formava parte do imaginário coletivo do nacionalismo galego de jeito fulcral até o trunfo sanguinário e etnocida [4] do franquismo.
Na intra-história moderna e recente do português da Galiza há uma corrente muito cativa de claro matiz regionalista, que se converte em dominante com a ditadura franquista, e que aceita a situação de subordinação das falas da Galiza à língua de Castela, para ela, a língua de Portugal não era mais que um parente, uma rama, um irmão linguístico mas que se enfrentava com o facto de que em nenhum tratado de romanística ou de linguística se afirmou nunca, a separação linguística das falas galegas do português.
Porem desde 1970 e sob o impulso das universidades espanholas e dos dinheiros espanhóis na construção do projeto nacional espanhol, e ante a iminência dum certo grau de reconhecimento legal às falas da Galiza, essa a afirmação passa a ser um feito defendido desde altas tribunas, o da separação das falas portuguesas aquém e além Minho, como realidades distintas.

Um feito chave no relacionamento aquém e além do Minho
Para o relacionamento dos dous territórios em que ficou fragmentado o português na altura, viu-se a produzir um facto decisivo, a batalha de Toro que teve lugar na localidade de Toro a quarenta e cinco quilómetros ao leste de Zamora, o primeiro de março de 1476. Nesta batalha as tropas castelhanas a prol da ascensão ao trono da que seria Isabel I A Católica frente a herdeira legítima da coroa de Castela Joana, derrotam as tropas comandadas por Afonso V de Portugal, que aspirava a consolidar com o seu trunfo a incorporação da Galiza ao norte do Minho no reino de Portugal, e da que já se proclamara rei[5]. Na batalha, na que participaram ao lado das tropas e em apoio das mesmas e das pretensões do rei português, tropas galegas guiadas por nobres tão poderosos como o Conde de Lemos Rodrigo, um dos seus mais firmes partidários da anexação, entre outros[6], foi fraco organizativamente o mando militar portugalaico e a coesão dos distintos comandantes, o qual funcionou em benefício castelhano.
A derrota vai supor:
A renúncia de Portugal a reclamar os territórios da Galiza que ficavam ao norte do Minho como parte do território que devia corresponder ao estado.
A separação de territórios como os do Berzo da Galiza, em castigo a Rodrigo Conde de Lemos senhor do Berzo quem foi perseguido militarmente durante quatro anos.
A invasão da Galiza polas tropas castelhanas e o submetimento durante quase cinco anos do território a lume e forca.
A visita como vencedores dos reis católicos, no 1492, e a constituição da Real Audiência da Crunha como órgão de governo formado exclusivamente por castelhanos, no território diminuído do reino.
A fugida a Portugal dos elementos mais implicados na união do espaço ao norte e sul do Minho (P. Madruga e outros).
A externalização ao território da nobreza e a igreja, e a execução dos nobres resistentes a eles como Pardo de Cela...
Inicio do que em palavras do cronista de Castela Zurita e sob o nome de Doma y Castración del Reino de Galicia, foi a política de banimento do reino da Galiza e da sua língua o Português. 

As novas palavras do português de Lisboa também caminhavam para as falas galegas nos séculos escuros.

A comunhão das falas galegas e do português manteve-se nos séculos escuros, apesar da prática desaparição da língua portuguesa escrita ao norte do rio Minho.
O português desaparece totalmente depois de 1512 de qualquer documento notarial; e da Igreja, que é quem gerava principalmente homens de letras, a Igreja foi castelhanizada radicalmente. Da Igreja foram absolutamente banidos para qualquer cargo as pessoas que não forem de etnia e língua castelhana. A nobreza galega passa a ser cortesã na corte de Castela. No aparato judiciário e administrativo ligado a Audiência da Crunha, os seus postos eram reservados só a pessoas também de etnia e língua castelhana. E ao território da Galiza, que tinha representação nas cortes dos reinos da coroa de Castela, foi-lhe banida toda representação no tal órgão, mas para que estivera composto por idênticos representantes foi transferida a representação da Galiza a Zamora.
Apesar de tudo o povo da Galiza ao norte do Minho seguiu sendo fiel a sua língua nos cem per cento.
Galiza ao norte do rio Minho vai ser um povo agrafo sem liderança social a movê-lo, porém fiel a língua;  para o povo galego ser galego e não viver na língua galega era inconcebível.
Essa língua deixou de ter um modelo social, essa língua que resultava tão claramente uniforme já não recebia o que o nosso primeiro gramático Fernão de Oliveira (1536), chamava cozinhado da corte. O português na Galiza passava a fracionar-se em modelos locais, e por isso que nessa situação resulta grandemente espantoso o seguirmos descobrindo que a comunhão aquém e além do Minho seguia existindo no povo, ciente da realidade comum da língua[7]; nas falas do português da Galiza podem-se rastejar por todas elas e uniformemente palavras introduzidas ao sul do Minho nos séculos XVII e XVIII, o qual demonstra que por baixo da realidade que se apresentava de absolutamente arredados uns dos outros com o norte absolutamente isolado do sul as palavras caminhavam para a Galiza, vou pôr só três simbólicos exemplos que polo seu valor resultam paradigmáticos:
Charuto: um jeito brasileiro de chamar os cigarros introduzido no século XVIII em Portugal, e de seguida chegado à Galiza onde colheu carta de natureza
Chávena: Palavra criada a partir da bebida do chá, como o recipiente no que se serve o chá. Esta palavra foi criada no português no século XVII, e resulta muito curioso que na Galiza ao norte do rio Minho, o chá não tive sucesso nem chegou a ser aceite como bebida popular, porém o recipiente chávena no século XVIII estava introduzido em todas as falas galegas.
 Eis a expressão: Voa voa joaninha vai levar uma carta ao meu amor em Lisboa: Esta expressão que com pequenas variantes é comum a portuguesas e galegos mostra que Lisboa, é inteligível como lugar de residência cortesã, penetrara na Galiza toda de modo referencial como a cidade representativa, a cimeira cortesã.
Quando um se põe a rabunhar na terra que parece cobrir os factos ossificando-os, descobre que não existe essa tal ossificação e que o relacionamento e circulação entre a Galiza ao norte do Minho e Portugal, era fluido e profundo, do que a pouco que se rasteje descobrem-se as palavras e expressões antigas e modernas isso que fiz que todo o território se tenha a apresentado para ser declarado património imaterial da humanidade, é dizer, o abalante mundo de expressões comuns a norte e sul do Minho que se esparegerom logo na aventura colonizadora portuguesa por todo o planeta.
   
O redescobrimento da realidade cultural ao norte do Minho; O Rexurdimento

As falas galegas do século XIX eram foneticamente indistinguíveis das do português minhoto e transmontano, porém tinham importantes diferenças:
Uma forte cor local em cada zona ou bisbarra com muitas variantes locais, que leva aos falantes a se afirmar falarem diferente de outros lugares próximos que conhece e com os que se compara
Inexistência dum modelo culto de língua e incorporação maciça de termos do castelhano que se incorpora com as novas realidades que vão chegando, com os novos caminhos, com os caminhos-de-ferro com a emigração, com a burocracia, ficando as falas do português da Galiza, muito restringidas a vida rural tradicional da Galiza ao norte do Minho.
Exclusão dos falantes do português de qualquer oportunidade de promoção ligada ao poder. A exclusão linguística para a bem entender há que saber que ela é em grande medida sempre exclusão étnica, dado que a língua funciona por cima de qualquer outra caraterística como o elemento conformador principal da identidade; a exclusão linguística é praticamente igual ao funcionamento da exclusão racial, e na que certo progresso social individual está ligado a algo tão duro como a autonegação, o auto-ódio, o autonojo em expressão popular galaica, é dizer, o desrespeito para o que um é e assunção de valores que correspondem a essa negação.
No século XIX o governo do estado espanhol moderniza-se seguindo o modelo francês. Em 1833 dissolvem-se oficialmente todos os reinos que constituíam o estado e nasce oficialmente Espanha, divide-se o território seguindo o modelo departamental francês sem pretensões de representar antigos territórios, moderniza-se a justiça (a fins do século XIX nasce o Supremo Tribunal da Justiça integrando-se nele quem até daquela tinha essas competências “El Consejo de Castrilla”), e dá-se um enorme impulso a educação muitíssimo superior ao que em comparança se fazia nessa altura em Portugal. Todas estas medidas levaram a grandes tensões a começar por todas aquelas que tinham a ver com a tábua rasa que se fazia com as diferencias nacionais e que se traduziram em 11 constituições e intentos das mesmas, 12 golpes de estado e intentos de golpes militares, e três guerras civis (as chamadas guerras carlistas), que respondiam basicamente à resistência ante projeto castelhanista com a sua farda de liberal contra as outras conceções da “nação”.
O estado espanhol fez um grande esforço pola educação universal e a redução do analfabetismo, na ideia que nasceu com a revolução francesa de que a educação é o instrumento mais poderoso do estado para fazer nação, para fazer súbditos ou cidadãos, para estabelecer a língua “nacional” em todos os territórios como tal. A Escola é o principal instrumento de socialização da nação.
A fins do século XIX na Galiza ao norte do Minho o analfabetismo, palavra que na altura significava as pessoas que não são capazes de ler e escrever castelhano[8] era inferior ao dez per cento nos homens e algo superior nas mulheres.

O Rexurdimento

As falas da Galiza vieram a tona, é dizer ao papel, por dous feitos depois de 300 anos de quase absoluto silêncio[9], a primeira, a quebra do estado espanhol e o seu desaparecimento prático sob as tropas napoleónicas nos primórdios do século XIX, com a correspondente incitação ao patriotismo por pessoas ilustradas e na ortografia que conheciam, a do castelhano, para a gente resistir contra o francês, e faziam-no na fala local, pois para isso a pretensa língua nacional castelhana imposta não servia.
O grande acrescimento das pessoas letradas em castelhano, os movimentos nacionalistas que acompanham a formação dos estados nacionais na Europa no século XIX, bem para constitui-los bem para nega-los; o impulso do romantismo, as lutas de resistência na península a imposição castelhana, criaram o fermento que deu lugar ao aparecimento duma literatura regional por pessoas alfabetizadas no castelhano, desconhecedoras da sua história porém dispostas a reivindicar-se como pessoas plenas e não seres negados radicalmente, ainda que a sua reivindicação de pessoas faziam-na, como não podia ser de outro modo, desde a sua inclusão no mundo “espanhol”[10]
Entre 1845-1974, estamos ante a construção do galego,  e que a fins do século XIX começos do XX essa construção viria a dar em duas linhas: a regional reduzida ao “universo Espanha”, e a "lusista" que era a linha mais principal e a do 90 per cento dos que se uniam a aventura recuperadora.
Nos mediados do século XIX podemos colocar o início do que se viu a definir como o rexurdimento cultural galaico. Se a língua era daquela foneticamente igual a do norte de Portugal é dizer à da Galiza ao sul do Minho, era porém muito diversa localmente, as falas que se escrevem tem variações diatópicas muito acusadas, na ortografia o grau de oscilações que se produzem som significativas na procura da adaptação da fonética das falas galegas ao modelo ortográfico nacional, o único que se conhecia, o do castelhano, ou o seu conhecimento melhor ou pior do latim. É esta primeira época a de criação de inúmeras palavras novas, os chamados hiperenxebrismos nos que se pretendia com eles recuperar um jeito particular de separação do espanhol.
Ë muito curioso que as primeiras acusações que esse tentar escrever a língua regional na medida em que conlevou um esforço de depurar espanholismos foi a de, tentardes de meter na Galiza o português. Mas não é até 1890 que começam a entrar na língua pouco a pouco novos termos portugueses que são incorporados polos escritores mais comprometidos seguindo a doutrina do esposo de Rosalía de Castro, Manuel Murguia, termos que fazem referência ao mundo da abstração, da religião, das ciências, mundo que estava ocupado polas formas castelhanas.
As falas da Galiza desde essa época até a guerra etnocida franquista são alimentadas com um verdadeiro rio polos modos e fazeres dos escritores de Portugal, a língua portuguesa vai vivificar as falas da Galiza, e vai ajudar a lhe dar na escrita de novo um ar bastante uniforme; as falas ao norte do Minho graças ao português vão poder combater o processo de bablização na que viviam seguindo o caminho do leonês.
A vivificação que o português realiza das falas galegas é o elemento fulcral da recuperação e salvação do português da Galiza ao norte do rio Minho.
À chegada da segunda república espanhola, as falas do português da Galiza seguiam a ser a língua do viver normal da população numa proporção que andava a redor do 93- 94 per cento desta, e estavam as condições bastante maduras nas elites nacionalistas galaicas para caminhar de cara ao que o dirigente nacionalista galego Afonso Daniel Castelao chamou: a confusão e indistinção das falas galegas ao norte do Minho com o português.
Trás a guerra etnocida, a Galiza tardou 20 anos até 1956 em recuperar o seu PIB de 1935, o estado espanhol no seu conjunto recuperou o seu PIB do ano 1935 no 1954, o que faz ideia da destruição tão profunda e desartelhante que viu supor a guerra. A vida em castelhano na Galiza correspondia-se com as urbes que depois da guerra viram diminuir a sua população e importância e com uma muito grave crise económica.
O franquismo permitiu o uso da língua, de jeito muito curioso, às tropas enroladas nos frentes bélicos; porém baniu absolutamente qualquer manifestação do português da Galiza na sua representação e apresentação pública, reduzindo a mesma ao reduto íntimo familiar e o da vida tradicional onde a resistência ao castelhano era um feito e a pressão social sobre qualquer dos seus membros que tentaram usar o castelhano, sentia-se de jeito achicotado. Nesse mundo fechado dos primórdios da ditadura os galegos voltaram a colher o caminho da migração a Lisboa e com destaque para Lisboa[11]
A ditadura franquista levantou campanhas públicas como as de “No sea animal hable en cristiano” ou “Nuestra lengua es la compañera del imperio” e outras, baniu do âmbito do ensino a qualquer professor tolerante com o português da Galiza nos alunos, e impulsou uma profunda militarização da vida espanhola, (um jeito de diminuir o desemprego e “nacionalizar”) pois até começo dos anos 50 mantive um exército da ordem do milhão de soldados.
Ainda que o franquismo reprimiu todo o que ver com a língua e cultura ligada ao português da Galiza, a partir de fins dos anos cinquenta e começos dos sessenta do século passado apareceu uma certa abertura e consentimento com certas expressões literárias às que por outra banda dalgum jeito se lhes exigia a gavança ao regime ditatorial. A ditadura sem quase fazer nada, usando simplesmente a repressão e certa tolerância muito pequena fiz com a linha tradicional e “lusista” vigorante e dominante na Galiza ao norte do Minho desde o rexurdimento, fosse substituída pola linha regionalista e espanhola[12], não foi por acaso o trunfo de certas linhas na conceção da língua que ademais coincide com que é aquela que te leva a decentes ordenados[13].
O nacionalismo na Galiza reconstruiu-se praticamente desde zero[14], e ao chegar os anos setenta que começou a redescobrir as linhas do galeguismo que na ditadura ficaram opacas, e por outro lado tampouco o povo em Portugal foi educado na realidade da língua portuguesa na Europa[15],.

O Galego das instituições autonómicas e o português

As instituições autonómicas galegas funcionaram sempre como instituições que respondem ao projeto nacional espanhol, e para esse projeto o lusismo na Galiza ao norte do Minho e delito de lesa pátria, pois a língua portuguesa pertence aos portugueses do estado Portugal, e ser espanhol é a negação do ser português[16].
A construção do galego institucional por oposição ao português e a sua extensão no sistema de ensino, e a outra cara da moeda do processo de substituição linguística que está a viver a Galiza.

A situação linguística do português da Galiza neste momento:

Os moradores da Galiza ao norte do Minho, hoje estão todos muito bem alfabetizados em espanhol, língua que conhecem de jeito mui superior à própria e na que a escola fixo que se sentam absolutamente seguros.
Não há nenhum espaço da Galiza onde uma pessoa poda se desenvolver de jeito pleno e normal usando unicamente o português da Galiza.
Os galegos cada dia tem mais internalizada e naturalizada a língua castelhana.
Os falantes habituais do português da Galiza superam o 65 per cento, porém se examinamos a situação por grupos de idade as falas galegas do português são minoritárias nos menores de 30 anos, e absolutamente minoritárias especialmente no âmbito urbano.
O mundo tradicional que amparava a língua galega, o apartheid no que vivíamos, desapareceu sob a vaga do progresso e a nacionalização ferrenha da escola.
A erosão do castelhano modificou radicalmente a língua incluída a sua fonética, cada dia mais achegada a simplificada castelhana.
O português da Galiza, não tem estatus verdadeiro de oficialidade, - a única língua oficial do estado espanhol é o castelhano, senão de certa simples cooficialidade - e é construído desde o amparo da oficialidade regional e espanhola como uma língua paralela do espanhol, onde o castelhano funciona como norma de correção; qualquer cousa que ser espanhol pode ser galego.
No grupo de idade menor de cinco anos, o número de crianças instaladas nas falas galegas[17], é inferior aos cinco per cento.

É viável  algum galego na Galiza que não seja português?

A vista dos dados citados, estamos na Galiza num processo aparentemente intravável de substituição linguística e de naturalização do castelhano como língua dos galegos e galegas ao norte do rio Minho.
O povo galego atua com a lógica que corresponde a uma situação onde adotar a língua simplex imposta parece a opção mais racional e económica e onde essa oferta da sua fala não deixa de ser um outro jeito de se achegar ao castelhano não parecendo possível a não muito longo prazo, a sobrevivência da comunidade de falantes, apesar de que foi vivificada modernamente e intensamente a médio do padrão português vocabular.
Porém na Galiza há uma outra alternativa, é à que muito tem contribuído a organização que tenho a honra de presidir a AGAL[18], tanto desde o ponto de vista da ciência linguística, como na difusão do nosso ideário e proposta, cousa que se faz desde a nossa idiossincrasia e particularidade para assumirmos de jeito pleno a realidade internacional do Português e de jeito muito caro a do português peninsular a que pertencemos.
Só é viável a continuação da existência do português na Galiza criando elites urbanas estabelecidas na língua, e presentes no mundo na própria língua. Se as nossas falas só chegarem para estarmos na casa (proposta dos poderes espanhóis na Galiza[19] e no mundo íamos que ter que estar no espanhol o nosso futuro está aviado.
Hoje na Galiza ganham peso no âmbito da língua e no papel que jogam na sua conservação e difusão muitos homens e mulheres que são neofalantes, que abandonam a língua espanhola de instalação para reconquistarem a fala do seu povo, e estes neofalantes desde as suas dificuldades incorporam-se de jeito significativo a propostas como as da AGAL e outras que apresentam as falas da Galiza como o que são, português.
Porém entre as dificuldade da nossa terrível batalha para podermos sobreviver como o que somos, e que é paradoxalmente o único jeito de sobrevivência, lusófonos, igual que o são os galegos do sul do Minho que conformaram Portugal; há uma eiva muito significativa, a da inexistência de consciência popular em Portugal - o mundo onde de jeito natural procuramos amparo como se formos uma grande Olivença – da nossa existência, de que a língua portuguesa com todas as suas dificuldades e eivas nas que vivemos estende-se até o mar Cantábrico na península.
O simples conhecimento da nossa realidade na socialização que se produz na escola, estou seguro que faria mais que muitos engraçados discursos, e esse conhecimento havia de servir também para saberem os portugueses todos que Portugal como estado nesta União Europeia necessita agora como em 1640 um projeto de futuro, e que a situação que se vive na Galiza é o fruto do jugo e ferro castelhano, não de opções voluntárias que se nalgum campo não existem e neste o das realidades linguísticas, pois quanto trabalho não custa apreender qualquer língua que não seja aquela na vimos ao mundo e na que esse mundo se nos abriu.
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[1] Desse latim da Gallaecia também vai nascer o bragançano ou asturo-leonês, e que está tanto no reino de Galiza-Leão como mais uma língua (o galaico oriental – galor -, bragançano, e/ou leonês, mirandês), no espaço de constituição do reino de Portugal
[2] No reino de Galiza-Leão a língua cortesã da corte era o português[2], e são essas elites cortesãs as consumidoras dos produtos literários)
[3] Nome, para entendermo-nos, que dou as falas do português da Galiza.
[4] O Fascismo espanhol tinha uma especial virulência ante qualquer facto que supusera repensar ou questionar a realidade “nacional” de Espanha. Preferia uma Espanha vermelha a uma Espanha dividida (fascistas espanhóis dixit), e afirmando-se o franquismo ser católico, assassinou padres simplesmente por não serem nacionalistas espanhóis. Na Galiza o seu terror tive uma especial virulência, quase trinta mil pessoas foram assassinadas (B. Maiz), das algo mais de 200.000 assassinadas no estado ao além dos mortos nas frentes da batalha. (Os países não castelhanos tiveram uma proporção muito mais elevada de executados do que era a sua proporção na população e nos territórios castelhano-espanhóis este custe de sangue foi significativamente bem mais reduzido).
[5] Afonso V foi o terceiro rei português que fiz esforços sérios para reincorporar os territórios ao norte do Minho a Portugal; mais dous reis tinham-se tentado proclamar reis da Galiza também, e todos sempre que tinham oportunidade recordavam a legitimidade jurídica da sua reclamação; e a sua legitimidade partia da interpretação certa que nascia do testamento do último rei independente da Galiza (e Leão) Afonso VIII (chamado nono pola historiografia espanholista), que em todo caso se opunha a incorporação-união do reino ao de Castela na coroa do seu filho Fernando, a quem tirara e legitimidade hereditária Afonso, e com o que estivo em guerra quase permanente os últimos 15 anos da sua vida e reinado. Esta batalha viu significar entre outras cousas, a renúncia de Portugal a reincorporar as terras da Galiza que ficaram ao norte do Minho ao seu território como parte natural do reino.
[6] Ainda que a Galiza estava profundamente debilitada trás a guerra civil irmandinha, onde fora destruída a infraestrutura nobiliária dominante sem ser substituída por nenhuma alternativa de poder.
[7] Em palavras de Pessoa: A língua é a única Pátria Verdadeira
[8] Ainda segue significando o mesmo: analfabeto, pessoa que não conhece como o estado mandar a língua castelhana
[9] Esse silêncio fora roto em muitas raras ocasiões, algumas tão destacadas como no século XVIII o padre Sarmiento, o maior polígrafo peninsular do século, ou no XVII Diogo Sarmiento Conde de Gondomar e representante na Inglaterra de Filipe II, ou o entremês muito popular e famoso nas duas beiras do Minho sobre a pesca no rio Minho no século XVIII.
[10] Poder-se-ia fazer uma bonita história dos falantes das falas ao norte do Minho, de como foram sistematicamente golpeados, de como era que a letra castelhana com sangue entrava, de como foram tratados nos exércitos, sofrido pau na sua pele, alcunhados, despreçados, submetidos aos mais infames castigos polo facto de falar a sua língua, de terem-se que confessar do pecado venial de falar nas falas do português da Galiza que eram cousa de animais. De como perdiam os seus empregos nas administrações públicas quando se lhes escapar a sua fala, de como eram segregados e esse apartheid no que viviam e era em certo grau a sua garantia da sua sobrevivência compacta. São já vários os relatórios que se tem feito do desprezo e insulto dos espanhóis aos galegos, com os que se podem encher milheiros e milheiros de folhas de humilhações e sevícias com toda a miserável criação de tópicos antigalegos incutidos nos espanhóis e como a origem destes rasteja-se nos fins do século XV, o da doma e castração dum povo por não se corresponder ao projeto castelhano. Em Portugal há também uma longa história de dizeres antigalegos, que estou seguro a pouco que se pesquisar sobre a sua origem havemos de achar por trás deles os prejuízos de certas elites lisboetas sempre tão marcadas polo modelo castelhano, coa exceção que vai quiçá desde 1640 a 1760, nesse século de (re)construção dum verdadeiro projeto nacional português feito a consciência e contra do modelo castelhano. Esse desprezo português do galego em não poucas ocasiões virou-se contra dos próprios portugueses, ao fim e ao cabo o galego que era mais que um português bruto a respeito da sua própria cultura que lhe era negada, e isso ainda está na insegurança que muitas das elites portuguesas sentem a respeito do seu valor, olhados no espelho castelhano-espanhol
[11] Não houve exilados em Portugal por o Salazarismo não consenti-lo nem nunca pensar em vir a levantar a questão galega
[12] Isolacionistas se chamaram eles próprios, porém é absolutamente dependente da língua espanhola a sua conceção das falas da Galiza, e absolutamente quebradora das ligações tradicionais do galeguismo com o sul do Minho
[13] Para estudar esta questão recomendo os trabalhos de Ernesto Vasques Souza: Tanto a sua tese de doutoramento sobre Anjo Casal publicada em dous grossos volumes por editorial do Castro, como os seus artigos recolhidos em Laiovento “Desta Beira do Letes”, como os múltiplos apontamentos que tem realizado nos mais diversos lugares e especialmente o sua lavoura de mestre que ilustra nos fóruns do PGL (http://www.agal-gz.org )
[14] Os assassinatos e o exílio deixaram o território sem gente formada na tradição patriótica lusista, e os que ficavam muitos deles viverom apanhados na gadoupas do modo, do terror, arma que o Franco sempre manejou admiravelmente.
[15] Se se calar a Olivença que se não fará com a Galiza
[16] Ao respeito é muito recomendável a leitura da obra Poder Ideologia e Língua, editada pola AGAL e onde se apresentam os fenómenos da estatalização linguística
[17] E que dizermos da sua qualidade
[18] Associaçom Galega da Língua, acharam muita informação da nossa associação no Portal Galego da Língua: www.agal-gz.org
[19]  uma campanha: – entre nós em galego porém no mundo na língua universal castelhana

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