BOLETIM DO NCH Nº 15, 2006 OBRA DE PEDRO DA SILVEIRA. ENSAIOS. ESTUDOS |
Pedro da Silveira Notas Sobre Autores Açorianos Cujas Obras Devem Merecer Edição, As Inéditas, Ou Serem Reeditadas Condignamente* | ||||
Natália Correia, que tinha a 2.ª ed. dos Privilégios, considerava esta obra, não sei com que razão, o mais antigo texto feminista em português, e quis reeditá-la. Por mim, acho de interesse reunir-se toda produção deste notável jurista, isto é, os dois títulos atrás referidos e mais inéditos, se acaso existem. Serão ainda de considerar, dos quinhentistas, os jesuítas Bento de Góis, cujas cartas, poucas embora, merecem uma edição autónoma e Padre Francisco Furtado, que também missionou no Oriente. Consta-me que deste segundo, natural do Faial, há inéditos importantes na biblioteca romana da Companhia de Jesus. De Frei Diogo das Chagas (c. 1580-c. 1661) vale a pena publicar num livrinho a Relação do que aconteceu na cidade de Angra, da ilha Terceira, depois da feliz aclamação de El-Rei D. João IV, saído em 1858 n’O Panorama e depois no Arquivo dos Açores, mas nunca em edição autónoma. Quanto aos já nascidos no séc. XVII, começo por D. Fradique Câmara Toledo (n. c. 1608), poeta, tradutor em verso da Eneida, autor teatral. A sua pouca poesia que conheço não é boa. Do teatro, que desconheço, só direi que corre impressa a comédiaBabilónia de Amor. Foi amigo de D. Francisco Manuel de Melo. O Padre Bartolomeu do Quental (1626-1698), com as Meditações e os dois volumes dos Sermões, merecerá, pelo menos, uma generosa antologia. E Frei Manuel de S. Luís (1660-1736), autor dasInstruções Morais e Ascéticas deduzida da vida e morte da Venerável Madre Soror Francisca do Livramento (Lisboa, 1731, 2 vols.), não me parece tão mau escritor como opina Inocêncio. Recentemente, ocupou-se dele numa conferência o Dr. Manuel Cândido e não creio que o tenha feito só pela razão da conterranidade. Também menosprezado por Inocêncio foi o jesuíta micaelense Padre António de Bettencourt (1679-1738), autor de Sermões (Lisboa, 1739), que vale a pena reavaliar. Ainda a ocupar-se de uma freira santa de S. Miguel temos, Francisco Afonso de Chaves e Melo (1685-1741), autor da Margarita Animada (Lisboa, 1723). Esta obra, que inclui uma descrição de S. Miguel, é realmente digna de republicação. Autora inédita, cuja obra de poetisa e prosadora foi referida elogiosamente por Barbosa Machado, é Soror Catarina de Cristo, terceirense. Mas não sei se restam manuscritos do que escreveu, ao gosto do Barroco. Foi a nossa primeira mulher de letras. Lembro mais, do começo de Seiscentos, Simão Estaço da Silveira, autor da Relação Sumária das Cousas de Maranhão (Lisboa, 1624; novas eds.: Rio de Janeiro, 1874; Lisboa, 1911; Boston, 1929 – esta em fac-simile). O ms. original está no Arquivo das Índias. Nos Estados Unidos há dele, localizável, a cópia manuscrita de uma carta, 44 páginas cujo original está na British Library. Estes dois textos, como outros mais que porventura haja de Simão Estaço, dão um livro decerto bem interessante, a julgar pela Relação. O historiógrafo Doutor Jorge Couto está indicado para se ocupar disto, bom conhecedor que é da vida e feitos de Simão Estaço. E os inéditos filosóficos do Padre António Cordeiro? Já do século XVIII, são de ter em conta alguns bons poetas: José Jácome Raposo, cuja obra, incluso uma ode inédita de que possuo cópia, dá um livrinho; Francisco Vieira Goulart, de quem se pode publicar a poesia e talvez outro livro de prosas este, com estudos e cartas eruditas localizados no arquivo da Câmara Municipal da Horta, na Academia das Ciências de Lisboa e, nesta mesma cidade, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e, porventura, também no Instituto Histórico e Geográfico da mesma antiga capital do Brasil; e José António de Camões, este a carecer de uma edição limpa do Testamento de D. Burro, a que se acrescentariam Os Sete Pecados Mortais e os sonetos que vêm em Drummond e Silveira Avelar. São ainda de ter em mente: D. Frei Alexandre da Sagrada Família, cuja obra, poesia e prosa, deverá ser publicada sob a responsabilidade da Doutora Ofélia Paiva Monteiro, de Coimbra; Bento Luís Viana, de quem as Poesias (Paris, 1821), um belo livro, são de reeditar, com um bom prefácio biográfico e crítico; e José Augusto Cabral de Melo, autor de uma obra muito vasta, em parte dispersa, que deverá ser reavaliada, além de se lhe reimprimir na íntegra as Poesias Líricas. Lembro, já agora, que este seu livro, de 1834, foi o primeiro de um poeta que se imprimiu nos Açores, o que aconselhará a reedição facsimilar. Aliás, o livro até é graficamente bonito. Neoclássico tardio é António Moniz Barreto Corte Real, prosador de quem merece reedição o livroBelezas de Coimbra, ao qual se juntariam textos como «Uma Festa do Espírito Santo» (saído em 1842 n’O Anunciador da Terceira, onde o autor também publicou umas curiosas «Misérias Políticas», de valor autobiográfico). De António Moniz Barreto haverá mais textos na imprensa angrense dignos de salvamento. E lembro mais dois pedagogistas seus coevos: os padres Jerónimo Emiliano de Andrade, com aTopografia da Ilha Terceira pelo menos, e João José do Amaral, de quem há escritos deveras interessantes que valia a pena compilarem-se. Deste li há anos um texto que o faz outro precursor, com António Moniz Barreto, dos estudos etnográficos. Passando aos já românticos do séc. XIX, começo pelo mais velho, António de Lacerda Bulcão (n. 1817). A sua Colecção de Romances Originais ficou longe de incluir toda a obra narrativa que fora publicando em jornais da Horta e, eventualmente, Ponta Delgada (por ex., A Persuasão). Uma antologia que junte ao melhor dos três volumes da Colecção outros contos e novelas dos mais de 50 que permanecem dispersos é de se considerar. Nas Notas Açorianas de Ernesto Rebelo e nosLiteratos dos Açores de Urbano de Mendonça Dias temos dois títulos dos dispersos, alguns posteriores à edição da Colecção. Outro dos nossos românticos mais velhos digno de atenção é Miguel Street de Arriaga (n. 1827). Impõe-se rever o seu teatro, sobretudo localizar, na imprensa da Horta, a comédia de costumesUma Lição de Guitarra. Com a poesia «O Canto do Baleeiro», esta comédia coloca o seu autor na primeira linha dos escritores açorianos atentos à realidade do meio. E, pelo que toca à poesia, não seria de descurar a recolha do melhor da obra do terceirense Azevedo Cabral (1828-1917). José de Torres (1827-1874) é outro escritor a considerar, com os 2 volumes das Lendas Peninsulares e, principalmente, a recolha dos ensaios críticos (dispersos por jornais de Lisboa dos quais Inocêncio dá uma relação, talvez não completa). J. Borges de Macedo considerava Torres um dos maiores ensaístas portugueses do seu tempo. Pensava ter sido ele quem primeiro empregou em Portugal a designação ensaio, o que não é certo, pois alguns anos antes já a usara outro açoriano, o árcade tardio Tibúrcio António Craveiro (1800-1844), no seu Ensaio acerca da Tragédia (1837), talvez reeditável, acaso juntamente com o Discurso acerca da Retórica (1842), obra esta que não conheço, mas que existirá na Biblioteca Pública de Angra. Ernesto Rebelo (n. 1842), romântico ainda, no fim da vida tangencialmente realista, merece que lhe reeditem asNotas Açorianas e se considere a possibilidade de uma recolha selectiva das narrativas que deixou dispersas na imprensa açoriana e de Lisboa (p. ex. A Revolução de Setembro). A geração seguinte, já realista e, na poesia, parnasiana, cito: Florêncio Terra, Manuel Zerbone, Rodrigo Guerra, todos três contistas; dos poetas, Garcia Monteiro. O primeiro tem sido muito mal publicado, necessitando de uma nova recolha dos seus contos, verdadeiramente selectiva; retomando o melhor do já recolhido. Bem melhor, a meu ver, é Rodrigo Guerra, de quem se deve reeditar A Americana. Quanto a Zerbone, publicou-lhe a Câmara Municipal da Horta um primeiro caderninho com crónicas d’O Açoriano. Impõe-se publicá-las na totalidade e, à parte, os seus contos e os poemas em prosa. Discípulo, nos poemas em prosa, de Aloysius Bertrand e de Baudelaire, é uma das figuras mais interessantes da literatura açoriana do seu tempo. Quanto a Garcia Monteiro, de quem há pouco se publicou, em Lisboa, uma antologia, impõe-se a republicação integral das Rimas de Ironia Alegre (Boston, 1896). Além disto, deve encarar-se a publicação em livro das Cartas da América, saídas na prestigiosa Gazeta de Noticias do Rio de Janeiro e, algumas delas, reproduzidas n’O Açoriano. A este livro juntar-se-ia o melhor dos artigos que depois deu a vária imprensa de Lisboa e das ilhas. Uma boa selecção das crónicas e contos-crónicas de Câmara Lima, já em tempos aventada por Vitorino Nemésio, é outra proposta que adianto. Cheguei a sugeri-la, sem obter resposta, ao Sr. Dr. António Maria Mendes, que também não me deu saída, sendo secretário regional da Cultura. Quanto a Faustino da Fonseca e Alfredo de Mesquita, com os romances, do primeiro, Os Bravos do Mindelo, do segundo, A Rua do Ouro. A despeito dos títulos ambos são passados em ambiente açoriano (a cidade de Angra). De Alfredo de Mesquita só consegui a publicação, pareceu-me que um tanto contra vontade, d’O Jarrão da Índia. Manuel António Lino, poeta menor de Edelweisse e Kodaks, vale sobretudo pela boa peça de teatro regional de costumes Os Ratos. Começou a publicar-se na revista Os Açores (com ilustrações de Domingos Rebelo). O texto completo encontra-se em Ponta Delgada, no espólio de Armando Côrtes-Rodrigues. José de Lacerda merece a reedição da Flor de Pântano (1891), que deve levar em apêndice os dispersos dos livros seguintes, anunciados mas nunca publicados (Lupercais e Bíblia Íntima), bem como as suas traduções de poesia (Heine e não sei quem mais). Não é improvável que no espólio de seu irmão, o músico Francisco de Lacerda, também haja versos de José de Lacerda. Tornando um pouco atrás, impõe-se também considerar os casos de alguns escritores não propriamente da literatura, como, p. ex., o antropologista Arruda Furtado, cujas obras completas são de editar condignamente, e o etnólogo Armando da Silva, este com uma vasta obra dispersa e que tem vindo a ser pilhada por pseudo-investigadores, como o padre Ernesto Ferreira. E há mais Eugénio Pacheco, de cujos dispersos creio poder tirar-se o que dê um livro, de textos não envelhecidos. Enfim, recuando até aos românticos temos João Teixeira Soares, com os seus muitos artigos dispersos n’O Jorgense e n’O Velense, os quais também vêm sendo pastagem para aproveitadores do trabalho alheio. Retomando o fio interrompido após referir José de Lacerda, os simbolistas propriamente ditos: Duarte Bruno e Carlos de Mesquita. A poesia de Bruno (1868-1950) ficou dispersa. De notar que ele foi, entre os simbolistas portugueses, com Eugénio de Castro, um precursor do emprego do verso livre. A sua obra saiu em jornais de Ponta Delgada e de Lisboa. Carlos de Mesquita (1870-1916) foi crítico e ensaísta, também poeta e ficcionista. A sua obra dá quatro volumes: um de poemas originais e traduzidos, ao qual se juntariam um fragmento de romance (O Estrangeiro) e dois ou três contos; outro de críticas e ensaios dispersos; mais outro com As Origens do Romantismo Inglês; enfim, uma reunião do seu epistolário, que em parte coleccionei. De tudo há, no meu espólio entregue já à Biblioteca Nacional bastantes materiais reunidos da obra deste autor, ou indicações bibliográficas. A recolha da poesia original e traduzida e da ficção cheguei a dar título: Poemas & Ficções. (Na DRAC do tempo de Mota Amaral não me pareceu que interessasse.) Ainda simbolista, embora um tanto no tarde, merece atenção Bernardo Maciel (1874-1917). Da sua obra inédita pode tirar-se, feita uma selecção rigorosa, um livrinho de boa qualidade. Em 1977 os manuscritos encontravam-se no espólio de Armando Côrtes-Rodrigues. Luis-Francisco Bicudo (1884-1918), o primeiro tradutor em português do Manifesto Futurista de Marinetti, deixou nas páginas do Diário dos Açores muitos artigos críticos, contos e poesias. De tudo isso podem tirar-se: dos artigos, um livro de boa qualidade; da poesia, devidamente seleccionada, um pequeno livro de valor não desprezível, em especial o já ao gosto vitalista. E a Bicudo segue-se outro suicida: João de Matos Bettencourt (1889-1915). A sua poesia não tem interesse, mas o pequeno livro de contos Alma em Pedaços, datado de 1914 mas saído já depois de morto o autor, merece republicação. (Há um exemplar deste livro, bastante raro, na Biblioteca Pública de Angra, único que até hoje pude ver.) Duarte de Viveiros (1897-1937), poeta que em Lisboa andou na roda dos primeiros modernistas, como Montalvor, Guisado e Albino de Meneses, merece que lhe reeditem a Obra Poética. Impõe-se acompanhá-la de um prefácio por quem saiba situá-lo devidamente. Agora a geração que é a de Vitorino Nemésio. Dois autores são de ter em primeira conta: Diogo Ivens, com os seus contos dispersos ou inéditos e talvez uma recolha de ensaios, e Maduro Dias, de quem os contos continuam por publicar em livro – um livro que, mesmo pequeno, vale a pena. E porque não reeditar-se a Eira de Pecados de Armando Cândido? O estado novista fanático que ele foi já não incomoda – a mim pelo menos. Não sei se chegou a reunir os contos que pretendi publicar sob o título Leiva. Lembro mais Dinis da Luz, às vezes um apreciável contista. São já da minha geração Armando Rocha (n. 1918), Carlos Wallenstein (1925-1990) e Otília Frayão (n. 1927). O primeiro e a última são vivos, mas não é provável que procurem publicar-se, como se impõe. Ambos terão pouca obra, mas em ambos os casos significante. Os 14 poemas que tinha em meu poder de Otília Frayão estão agora nas mãos de Urbano Bettencourt. De Carlos Wallenstein sei que há, inédita, uma obra bastante vasta, de poeta e dramaturgo. Guarda-a a viúva, Dr.ª Maria do Bom Sucesso. Voltando à geração de Vitorino Nemésio, temos Alfredo Lewis-Alfredo Luiz (como ele se assinou primeiro, ainda escrevendo em português, antes e depois de emigrar). Impõe-se passar ao vernáculo os seus dois romances, Home Is an Island, este publicado, e Fifthy Acres and a Barn (1), inédito, e os contos. Mas a tradução terá de ser açorianizada na linguagem, como o autor pretendia e cheguei a fazer para um conto, que ele depois reviu e aprovou. Além de Alfredo Luiz, temos Mathilde do Canto e o seu romance, de ambiente micaelense, Dona Josefa, em francês e precedido de uma carta-prefácio de Romain Rolland. Também deste romance a tradução deve ser conforme com o nosso português, embora sem cair no dialectal. Traduções Do Príncipe Alberto de Mónaco deve promover-se a tradução de La Croysière d’un Navigateur (2).Também seria do maior interesse uma antologia do que escreveram sobre os Açores, em especial nos sécs. XVIII e XIX, escritores viajantes de várias línguas, europeus e americanos. Entre esses escritores nem faltam russos, como Goncharov, e escandinavos, que praticamente desconhecemos. Para os escandinavos até podemos contar com Manuel Machado, que os traduziria do original. Dos italianos que escreveram sobre os Açores desde o séc. XVI sabemos, mas não assim de espanhóis, que decerto também haverá. António de Herrera, do séc. XVI, Tofino de San Miguel, do séc. XVIII, com o seu Derrotero, do qual não vejo que se tire, não serão tudo, antes do que traduzi de Juan Ramón Jiménez. Lisboa, Dez. 97 Pedro da Silveira P. S. Há sempre alguma coisa que esquece no momento final, embora antes estivesse em mente. Aí vai...De Teófilo Braga são de considerar: 1.º uma nova edição dos Contos Fantásticos, precedidos de um estudo; 2.º, a recolha dos seus dispersos que complementam os Cantos Populares. Augusto Loureiro está longe, parece-me, de ser um bom ficcionista. Mas, mesmo assim, deve fazer-se uma releitura das suas duas colectâneas de contos, À Beira-Mar (1868) e Serões de Inverno (1876), além de se ver o que depois dispersou na imprensa (p. ex., A Actualidade), a ver se é recuperável numa pequena antologia. Com o primeiro livro foi de algum modo um precursor. Dos poetas sem livro não quero deixar de acrescentar um nome importante: José Botelho Riley (1857-1923). Do que publicou em jornais de Ponta Delgada, geralmente assinando com iniciais, ou aí lhe publicaram postumamente (no Correio dos Açores), tira-se um livro de qualidade, entre parnasiano e pré-simbolista (como o seu amigo António Feijó). Voltando mais uma vez atrás, temos ainda Vicente M. de Faria e Maia (1838-1917), autor de dois romances históricos não despiciendos: Beatriz e Cavaleiros de África. A obra filosófica de seu irmão Francisco, que foi amigo de Antero, parece não estar perdida, e que o manuscrito daFilosofia do Direito está em poder dos herdeiros de Luís Cabral de Moncada, em Coimbra ou Lisboa. ------------------------------------------------------------ * O leitor poderá encontrar nestas “Notas” de P. da S. algumas imprecisões, nomeadamente nos títulos das obras referidas (N. do E.). (1) Como no original de P. da S. Esta obra foi editada pelo Centro de Cultura e Estudos Portugueses da Universidade de Dartmouth, Massachusetts, dirigido por Frank Sousa, em 2005, com o título Sixty Acres and a Barn (N. do E.). (2) Como no original de P. da S. Do livro La carrière d’un Navigateur (N. do E.). -- |
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