O “ANGOLANO” ZUMBI, ENTRE AS GRANDES FIGURAS DA HISTORIA DO BRASIL
E um dos principais factos que pode-se reter da leitura do simpático livrinho “Palmares, ontem e hoje” da autoria de Pedro Paulo Funari e Aline Vieira de Carvalho, publicação que acaba de ser reeditado no Rio de Janeiro, no quadro da celebração do dia 20 de Novembro, Jornada da Consciência Negra na Republica Federativa.
Verdadeiro suporte de vulgarização histórica, bem inserido na colecção “Descobrindo o Brasil, “ a brochura se estala sobre 74 paginas, articulada numa dezena de capítulos nos quais os autores analisam a corajosa constituição de evolução do maior território livre dos colares esclavagistas na imensa colónia lusa da América do sul e a sua importância no fortalecimento da personalidade histórica, social e politica dos melanodermes e na fundamentação da sua luta actual; esses que constituíam, cerca de um terço da população deste pais.
Os anexos são constituídos, entre outras rubricas, pela uma retrospectiva de estudos, marcantes, sobre a longa insurreição entre Alagoas e Pernambuco, entre 1640 e 2003, e de algumas iconografias.
Um mapa restituindo as presumíveis fixações das principais povoações que compunham Palmares, bastião anti-esclavagista organizado no nordeste brasileiro. Distingue-se, aí, vários topónimos de origem, visivelmente, bantu, tais como Andalaquiduche, Osenga, Macoco, Aqualtune e Dambranga
Nota, nomeadamente, as estampas do pintor francês Jean Baptiste Debret, grande testemunho dos maus-tratos esclavagistas, nos meados do século XIX carioca, Jean Baptiste Debret, cuja uma das gravuras foi escolhida para cobertura do livro e do desenhador alemão, Johann M. Rugendas.
Esta trama iconográfica apresenta uma gravura, rara, de autoria holandesa, dos meados do século XVII, na qual se vê uma torre de controlo erguida pelos quilombeiros.
E, naturalmente, os autores integram três pseudo-retratos de Zumbi.
Logo na introdução, os dois memorialistas recordam que Zumbi e o único líder de uma revolta antiesclavagista a figurar entre os “Grandes Personagens da nossa história”, uma compilação lançada, paradoxalmente, em 1969, no apogeu do regime ditatorial em que vivia o Brasil.
Retomam o trecho, publicado nesta colectânea, consagrado ao Dirigente Redentor, após rumores da sua morte, e que indica as suas origens: Oia Zumbi! Oia muchicongo!
Pedro Funari e Aline de Carvalho explicam a forte concentração de nigers na região entre Salvador e Recife, principalmente, a partir de 1570, por causa da exploração da cana - de açúcar, grande devoradora de mão-de-obra.
E, os efeitos sociais deste reagrupamento de agrilhoados fizeram-se sentir no inicio do século XVII, com serviçais fugidos que formam uma comunidade na área dos Palmares, na região serrana a cerca de 60 kilometros da costa do actual Estado de Alagoas, por volta de 1605.
Sob a chefia, sucessiva, de Ganga Zumba e de Zumbi, o seu sobrinho, o reduto autónomo recebeu, no seu auge, mais de 6000 insurrectos.
O baluarte que consistia uma ameaça para o Governo de Pernambuco foi, finalmente, destruído, em Fevereiro de 1694; após uma resistência cumulada de quase um século.
METEMPSICOSE
E, após uma verdadeira caca ao homem, Zumbi foi morto no dia 20 de Novembro de 1695; data que foi, justamente, declarada como a da Consciência Negra no Brasil, mas que e celebrada, na realidade, por muitas comunidades de origem africana no continente americano e no conjunto insular caribenho.
Os algozes pernambucanos decidiram, barbaramente, de decapitar o Kitangi e expor a sua cabeça em praça pública.
Foi uma decisão de natureza puramente antropológica; isso afim de por termo a fama dos Zumba ou Zumbi, do bantu, nvumbi, finado, e do kimbundu zumbi, invisível, que numa verdadeira dinâmica de metempsicose cosmogónico e hidrogonico, convenceu os afro-brasileiros – e mesmo muitos brancos e índios - que “ele era o Deus da Guerra, o mais Poderoso dos Génios, irmão e Dono do Mar”, o famoso Kalunga, sinónimo de forca perene. O Mfumu só transmigrou num corpo humano para salvar os danados melano - alengonenses.
Os autores insistem a ligar varias realidades históricas e antropológicas da praça-forte de emancipação com Angola, como a origem dos termos quilombo e nganga.
Indicam que eles utilizaram o rigoroso estudo do congolês, da margem direita, Jean Nsonde, “Cristianismo e religião tradicional no pais koongo, nos séculos XVII e XVII”.
Destacam, na literatura, a adaptação de personagens tais como a Rainha Maria Conga.
A criação literária foi, ao lado da investigação arqueológica, da reconstituição memorialista e etnológica, um importante suporte de perpetuação da heróica luta pela liberdade dos oprimidos “congos/angolas” encurralados no nordeste brasileiro.
Esta acção de transmissão memorativa que permitiu a “Cidade dos Bravos”, ser, invariavelmente, ate aos nossos dias, a base argumentaria da luta existencial, social, cívica, política e cultural dos afro-brasileiros.
E, nesta evolução da segunda potencia negra do mundo, o cunho de Angola esta bem perceptível.
Por
Simão SOUINDOULA
Historiador
Comité Cientifico Internacional
Projecto da UNESCO “A Rota do Escravo”
C.P. 2313 Luanda (Angola)
Tel.: + 244 929 79 32 77
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