DE DIÁLOGOS LUSÓFONOS:
Nossos fantasmas Mortos vagando pelas ruas, mulheres em cemitérios, almas penadas com correntes... No Dia das Bruxas, relembre lendas mineiras que até hoje assombram cidades do estado
Arnaldo Viana
Publicação: caderno GERAIS do jornal ESTADO DE MINAS de 31/10/2011
“Que halloween que nada, sô. Assombração, e das boas, a gente tem aqui, uai, e muita.” A frase pode ser atribuída a qualquer mineiro atento às lendas urbanas e rurais passadas de geração para geração em reuniões de família nas salas e cozinhas das Gerais, como o pesquisador sabarense Francisco Dário dos Santos, o Chiquinho, ou o jornalista e folclorista Carlos Felipe. Os casos de Minas são, em sua maioria, de mortos vagando por ruas e estradas, arrastando correntes em casarões ou de aparições do capeta. Já o halloween é o Dia das Bruxas dos norte-americanos, comemorado em 31 de outubro mais como uma festa infantil. Mas sua origem é antiga, com raízes também em assombrações saídas de cemitérios em noites sombrias.
O que assusta mais, a Loura do Bonfim. uma procissão de almas penadas na sexta-feira da Paixão ou uma abóbora escavada, pintada e iluminada por velas, como reza a tradição norte-americana? Para quem já sentiu calafrios com as histórias contadas pelos avós, não há dúvida de que as lendas mineiras são de arrepiar os cabelos. E cada cidade tem sua coleção de lendas. As históricas, então, nem se fala. Vem dos tempos em que as pessoas não tinham tanta diversão à noite e era comum reunir a família e amigos ao redor do fogão para contar “causos”. “Só em Sabará, temos 29 lendas urbanas”, diz Chiquinho. É do repertório dele e de Carlos Felipe as histórias assombradas que o Estado de Minas reproduz neste Dia das Bruxas.
As almas da Rua São Paulo
O primeiro cemitério de BH, ainda dos tempos de arraial, era na esquina das ruas São Paulo e Tamoios e Avenida Amazonas, ao lado de sua primeira igreja, a capela de Nossa Senhora do Rosário, no Centro. No início dos anos 1920, precisou-se do terreno para a construção do Orfanato Santo Antônio. As tumbas foram reviradas e os ossos removidos. Os mortos não gostaram. Revoltaram-se e durante muito tempo assombravam quem passava pela esquina, principalmente à noite. As rezas e novenas na capelinha de 1897 os acalmaram, mas há quem ainda evita passar por lá à noite.
O capeta da Vilarinho
No anos 1980, um rapaz bonito, bem vestido e de chapéu frequentava os bailões da Avenida Vilarinho, no Bairro de Venda Nova, Região Norte de BH. Apresentou-se como Alex. Era exímio dançarino e encantava as moças com sua elegância. Os rapazes do lugar se corroíam de ciúme com o sucesso do forasteiro. Uma noite, por um descuido, o chapéu caiu, deixando à mostra um pequeno par de chifres. As moças gritaram e os rapazes correram atrás do estranho, a fim de surrá-lo. Ele tinha os pés para trás e desapareceu numa nuvem de fumaça.
A loura do Bonfim
Boêmios das décadas de 1950 e 1960 que vagavam pelas madrugadas da antiga Lagoinha, Região Noroeste de BH, falavam de uma loura glamourosa, sedutora, também frequentadora da noite. Quando ela voltava para casa, de carona ou de táxi, descia na Rua Bonfim, em frente ao cemitério na mesma região e desaparecia entre os túmulos. Qualquer loura sentada sozinha em um botequim causava arrepios. A lenda ganhou força no programa O povo na TV, veiculado pela TV Alterosa na década de 1980. A produção contratou uma jovem loura e a filmou atravessando a Rua Bonfim, à noite, de roupas brancas esvoaçantes. As cenas, propositadamente meio difusas, causaram impacto e elevaram a audiência do programa.
A noiva do Carmo
A Igreja de Nossa Senhora do Carmo, construção do século 18, em Sabará, Grande BH, fica em frente ao Cemitério do Carmo, onde são sepultados membros de uma ordem religiosa católica. Uma tarde, uma bonita moça, loura, de olhos azuis, casava-se na igreja, no século passado, e, ainda no altar, sentiu-se mal e caiu morta. Numa madrugada, um operário do turno da noite da antiga Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira voltava do trabalho e viu uma loura vestida de noiva na porta da igreja. Puxou conversa. A loura, então, disse que precisava ir em casa trocar de roupa e entrou no cemitério. O homem, apavorado, saiu gritando. Os vizinhos o acudiram e foram ao cemitério verificar a história. Acharam o vestido de noiva sobre um túmulo.
Procissão das almas
Quase todas as cidades históricas têm relatos de procissão das almas na quaresma. A da tricentenária Sabará, para quem tem o poder de ver os mortos, passa pela Rua Dom Pedro II. Lá, da janela de uma casinha do século 18, dona Sinhá ficava procurando motivos para fuxicar. E à meia-noite de sexta-feira da Paixão ela viu subir a ladeira um grupo de pessoas vestidas de branco e apenas uma de preto, à frente do cortejo, com uma vela nas mãos. Ao passar pela janela, ele deu a vela a Sinhá e disse: “Não a apague. Viremos buscá-la no sábado de Aleluia”. A velha, muito curiosa, pôs a vela sobre a mesa e a apagou. No outro dia, havia o osso de uma perna humana no lugar. No sábado, mesmo apavorada, esperou a procissão passar para entregar o osso ao homem que puxava o cortejo. Ele o recebeu e disse: “Esta foi a primeira e última vez que a senhora nos viu da janela”. Sinhá morreu três meses depois e dizem que na quaresma seguinte lá estava ela, engrossando a procissão.
A mulher do algodão
As meninas mais levadas da Escola Estadual Paula Rocha, na Praça Melo Viana, em Sabará, gostam de experimentar o medo. Contam que, no século passado, uma professora, atropelada por um trem no distrito sabarense de Roça Grande, prometeu antes de morrer que voltaria para assombrar as estudantes com fama de bagunceiras. Aparecia para as garotas no banheiro feminino com roupas brancas, um pano usado sobre a cabeça e algodão nos ouvidos ensanguentados. As alunas que não conseguem vê-la a provocam. “Dizem que apertando a descarga três vezes, gritando e xingando palavrões, ela aparece. Eu tentei e nunca vi”, diz Stephanie Fernanda Matos, de 16 anos, ex-aluna da escola. A história também assombrou e despertou a curiosidade de meninas de várias escolas do estado.
A mulher da Rua Direita
Durante anos, moradores e turistas viram à noite, nas ruas da histórica e tricentenária Mariana, na Região Central do estado, principalmente na Rua Direita, uma mulher em roupas esfarrapadas. Quando se aproximavam, ela se transformava em uma dama elegante, de roupas finas e cobertas de joias. Os relatos, de acordo com os folcloristas, a apontam com a alma de uma das ricas senhoras dos tempos da corrida do ouro. Dizem que, de vez em quando, ela ainda aparece como uma mortal andarilha.
Fantasma do inconfidente
Foi na Casa dos Contos em Ouro Preto, na Região Central do estado, antigo local de pesagem e fundição de ouro, que o poeta Cláudio Manoel da Costa morreu. Era um dos inconfidentes mais influentes e há dúvida se ele se suicidou ou se foi assassinado pelas forças da coroa portuguesa. Reza a lenda que, nas madrugadas, Cláudio Manoel ainda frequenta o casarão, hoje centro de cultura mantido pelo Ministério da Fazenda. De acordo com Carlos Felipe, há quem jure que o viu andando sobre o assoalho recitando seus poemas.
A mulher de sete metros
Há moradores dos bairros Major Prates e Morada do Parque, em Montes Claros, Norte de Minas, que evitam cruzar o vizinho parque municipal à noite. É por medo da mulher de sete metros de altura que, segundo contam folcloristas, já foi vista entre os jardins. Ninguém consegue outra explicação para a estranha figura, cuja fama se espalhou pela cidade, a não ser que se trata de uma alma de outro mundo.
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