in diálogos lusófonos
por Luciana Montemezzo*
"Um vazio no coração": ou de como se traduz a brasilidade
Qual o significado do ato de traduzir?
por Luciana Montemezzo*
Recentemente,
duas reportagens - publicadas por periódicos de grande circulação
nacional - tocaram em um tema até bem pouco tempo ignorado pela mídia
brasileira: a importância de profissionalização para o exercício da
atividade tradutória. O primeiro deles elabora uma lista de palavras
"intraduzíveis", ressaltando o valor cultural que cada uma
dessas palavras tem nos contextos em que surgiram. Encabeçando a lista,
está a nossa saudade, marca suprema de brasilidade e harmonia
cultural. Evidentemente, essa é uma palavra que pode causar dor de
cabeça para os tradutores, porque traz consigo traços semânticos
relacionados a emoções muito específicas e raramente explicáveis de
forma racional. Meu filho, de 11 anos, por exemplo, afirma que saudade é
"um vazio no coração".
Para
o dicionário Aurélio, saudade é "lembrança melancólica e, ao mesmo
tempo, suave de pessoa(s) ou coisa(s) distante(s) ou extinta(s)". Se
definir já é difícil, como explicar essa palavra um estrangeiro? Ou,
pior, como fazê-la ressoar em outro idioma, por meio da escrita, com os
mesmos sabores que conhecemos tão bem, embora muitas
vezes não saibamos explicar?
O
texto a que me refiro não propõe soluções para os casos de
intraduzibilidade que apresenta, deixando a questão em aberto e
estimulando a reflexão sobre um dos ofícios menos reconhecidos desde
sempre. É, acima de tudo, ilustrativo, mas serve como provocação sobre
as dificuldades enfrentadas por tradutores na execução do seu trabalho.
O
segundo texto chama a atenção inicialmente para a facilidade de
trabalhar em casa (exemplificada pela rotina dos freelances) e vai
acrescentando, paulatinamente, os problemas daqueles que se dedicam a
traduzir. Alguns desses problemas se referem às peculiaridades da
Língua Portuguesa, enfatizando o que o senso comum nos dita
inadvertidamente: para traduzir é apenas necessário saber um idioma
estrangeiro. Ressalta-se, assim, a necessidade que o tradutor tem de
conhecer muito bem o vernáculo, e de deslocar-se com intimidade por sua
anatomia. Nesse sentido, uma tradutora revela a sua dificuldade em
verter para o inglês o vocábulo "coxinha", iguaria tipicamente
brasileira. A solução encontrada, segundo ela, foi elaborar uma
explicação, ante a impossibilidade de encontrar um equivalente adequado.
O vocabulário referente à alimentação - ou derivado dela - é um dos
mais complexos quando se enfrenta o processo tradutório, porque está
ligado não só aos hábitos e costumes da cultura de origem, mas também se
relaciona com o que essa mesma cultura é capaz de produzir,
geograficamente falando: às vezes, determinado produto, amplamente
consumido em um determinado país, é desconhecido em outro,
até mesmo por questões climáticas ou de solo. Nesse caso, só uma
explicação nos salva. Mas em que lugar é possível colocar uma explicação
em um cardápio? Neste momento, quando o país se prepara para receber
milhares de estrangeiros para o Mundial de Futebol (2014), essa
preocupação torna-se ainda mais pertinente. A título de ilustração,
relato o ocorrido em um curso de Espanhol no Uruguai: uma aluna queria
saber a qualquer custo como se dizia farofeiro em espanhol. A
professora não sabia, claro, o que significava a palavra, assim como
desconhecia seu referente imediato, a farofa. Explicar que farofeiro era
a designação para a pessoa que vai à praia munida de alimentos foi a
solução encontrada pelos demais brasileiros presentes. Também foi
necessário explicar à aluna-colega que tais designações costumam estar
relacionadas a tradições muito particulares e que, muito provavelmente,
ela não iria encontrar,
no espanhol do Uruguai, uma expressão semelhante para referir-se à
maneira que muitos brasileiros têm de ir à praia.
Traduzir,
em última instância, é colocar a dessemelhança para conversar, ato
político no sentido mais amplo da acepção, que anda na contramão do
isolacionismo e da xenofobia
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Leia o artigo na
íntegra em http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/39/um-vazio-no-coracao-ou-de-como-se-traduz-a-274950-1.asp
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