sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

brasilidade

in diálogos lusófonos

"Um vazio no coração": ou de como se traduz a brasilidade


Qual o significado do ato de traduzir?


por Luciana Montemezzo*




Recentemente, duas reportagens - publicadas por periódicos de grande circulação nacional - tocaram em um tema até bem pouco tempo ignorado pela mídia brasileira: a importância de profissionalização para o exercício da atividade tradutória. O primeiro deles elabora uma lista de palavras "intraduzíveis", ressaltando o valor cultural que cada uma dessas palavras tem nos contextos em que surgiram. Encabeçando a lista, está a nossa saudade, marca suprema de brasilidade e harmonia cultural. Evidentemente, essa é uma palavra que pode causar dor de cabeça para os tradutores, porque traz consigo traços semânticos relacionados a emoções muito específicas e raramente explicáveis de forma racional. Meu filho, de 11 anos, por exemplo, afirma que saudade é "um vazio no coração".
 Para o dicionário Aurélio, saudade é "lembrança melancólica e, ao mesmo tempo, suave de pessoa(s) ou coisa(s) distante(s) ou extinta(s)". Se definir já é difícil, como explicar essa palavra um estrangeiro? Ou, pior, como fazê-la ressoar em outro idioma, por meio da escrita, com os mesmos sabores que conhecemos tão bem, embora muitas vezes não saibamos explicar?
 O texto a que me refiro não propõe soluções para os casos de intraduzibilidade que apresenta, deixando a questão em aberto e estimulando a reflexão sobre um dos ofícios menos reconhecidos desde sempre. É, acima de tudo, ilustrativo, mas serve como provocação sobre as dificuldades enfrentadas por tradutores na execução do seu trabalho.
O segundo texto chama a atenção inicialmente para a facilidade de trabalhar em casa (exemplificada pela rotina dos freelances) e vai acrescentando, paulatinamente, os problemas daqueles que se dedicam a traduzir. Alguns desses problemas se referem às peculiaridades da Língua Portuguesa, enfatizando o que o senso comum nos dita inadvertidamente: para traduzir é apenas necessário saber um idioma estrangeiro. Ressalta-se, assim, a necessidade que o tradutor tem de conhecer muito bem o vernáculo, e de deslocar-se com intimidade por sua anatomia. Nesse sentido, uma tradutora revela a sua dificuldade em verter para o inglês o vocábulo "coxinha", iguaria tipicamente brasileira. A solução encontrada, segundo ela, foi elaborar uma explicação, ante a impossibilidade de encontrar um equivalente adequado. O vocabulário referente à alimentação - ou derivado dela - é um dos mais complexos quando se enfrenta o processo tradutório, porque está ligado não só aos hábitos e costumes da cultura de origem, mas também se relaciona com o que essa mesma cultura é capaz de produzir, geograficamente falando: às vezes, determinado produto, amplamente consumido em um determinado país, é desconhecido em outro, até mesmo por questões climáticas ou de solo. Nesse caso, só uma explicação nos salva. Mas em que lugar é possível colocar uma explicação em um cardápio? Neste momento, quando o país se prepara para receber milhares de estrangeiros para o Mundial de Futebol (2014), essa preocupação torna-se ainda mais pertinente. A título de ilustração, relato o ocorrido em um curso de Espanhol no Uruguai: uma aluna queria saber a qualquer custo como se dizia farofeiro em espanhol. A professora não sabia, claro, o que significava a palavra, assim como desconhecia seu referente imediato, a farofa. Explicar que farofeiro era a designação para a pessoa que vai à praia munida de alimentos foi a solução encontrada pelos demais brasileiros presentes. Também foi necessário explicar à aluna-colega que tais designações costumam estar relacionadas a tradições muito particulares e que, muito provavelmente, ela não iria encontrar, no espanhol do Uruguai, uma expressão semelhante para referir-se à maneira que muitos brasileiros têm de ir à praia.
Traduzir, em última instância, é colocar a dessemelhança para conversar, ato político no sentido mais amplo da acepção, que anda na contramão do isolacionismo e da xenofobia

Leia o artigo na íntegra em http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia/39/um-vazio-no-coracao-ou-de-como-se-traduz-a-274950-1.asp

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