http://www.publico.pt/cultura/noticia/a-morna-ja-e-patrimonio-nacional-de-cabo-verde-1577414
“Não
há maneira mais sublime, mais justa, de expressar os sentimentos” do
que através da morna, diz ao PÚBLICO o compositor favorito de Césaria
Évora. Cabo Verde já pensa avançar para uma candidatura deste género
musical a Património Imaterial da Humanidade.
O governo de Cabo Verde aprovou quinta-feira uma resolução que
classifica o género musical morna como Património Histórico e Cultural
Nacional, naquele que pode ser um primeiro passo para a classificação
pela UNESCO de Património Imaterial da Humanidade. Tudo isto quando
passa um ano sobre a morte de Cesária Évora.
Essa
mesma intenção foi anunciada pelo porta-voz do Conselho de Ministros
cabo-verdiano, Jorge Tolentino, que salientou que o Ministério da
Cultura está a ultimar uma Comissão Nacional para preparar um dossier e
actuar junto da UNESCO. Segundo a mesma fonte, a ideia original foi da
cantora cabo-verdiana Celina Pereira. O diploma entrará em vigor já na
próxima segunda-feira.
A
notícia foi recebida com satisfação por cantoras de Cabo Verde como
Nancy Vieira. “Sinto-me muito orgulhosa como todos os cabo-verdianos e
como intérprete da morna”, disse ao PÚBLICO. “A morna é a nossa
expressão máxima e através dela conseguimos uma grande visibilidade no
mundo, principalmente através da voz da Cesária Évora. Agora que seja
também património mundial.”
Outra
cantora de Cabo Verde, Ana Firmino, disse-nos que “a morna está para
Cabo Verde, como o fado para Portugal, ou o chorinho para o Brasil, por
isso faz sentido que seja distinguido”. Para Firmino este é “mais um
passo decisivo” para elevar a morna à condição de património imaterial,
como já acontece com o fado.
O
nome de Cesária Évora surge a todo o momento quando se tenta explicar o
sucedido. O seu compositor preferido e o autor que mais escreveu para
ela, o músico Teófilo Chantre, diz-nos que “não há maneira mais sublime,
mais justa, de expressar os sentimentos” do que através da morna.
“Espero que este acontecimento vá no sentido de preservar todo o legado
da morna. E nesse sentido espero que sejam libertados meios para manter
tradição da morna, ao nível da música, dos instrumentos e da poesia.”
Depois da morte de Cesária Évora (que aconteceu, fará na segunda-feira,
dia 17, um ano), fala-se muito em substitutas, ao nível de cantoras como
Lura ou Nancy Vieira, mas esta prefere falar em continuadoras. “A
Cesária abriu as portas a uma nova geração de cantores e cantoras, da
qual faço parte, mesmo antes do seu desaparecimento físico. Todos nós
beneficiamos das portas que abriu. Depois da morte dela fala-se em
substitutas – mas não gosto da palavra. Prefiro falar em seguidoras.
Isso sim. Foi ela que levou a alma deste país tão pequeno, que
aparentemente não tem nada, ao mundo todo.”
A
morna é um género musical tradicionalmente tocado com instrumentos
acústicos, reflectindo a realidade insular da população de Cabo Verde, o
romantismo dos seus trovadores e o amor à terra, o ter de partir e
querer ficar, a saudade. Principalmente nas duas últimas décadas, a
morna tornou-se conhecida mundialmente, em parte pelo sucesso
internacional da cantora Cesária Évora.
Precisamente
por isso, a Diva dos Pés Descalços, como era conhecida, vai ser
homenageada sábado num espectáculo a decorrer na ilha de Santo Antão, em
Ribeira da Torra. Bonga, Nancy Vieira, Sara Tavares, Lura e Tito Paris
integram o cartaz.
Além
da morna, o Ministério da Cultura cabo-verdiano, tutelado pelo músico,
compositor e escritor Mário Lúcio, está a ponderar elevar os outros
géneros musicais do arquipélago (tabanka, batuque e funaná) também a
património nacional. O Ministério da Cultura está ainda a trabalhar para
apresentar a candidatura da Crioulização e do Espaço Virtual como
patrimónios imateriais da humanidade, tal como já afirmou Mário Lúcio.
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