terça-feira, 11 de dezembro de 2012

NIEMEYER VISTO POR SEIXAS COSTA

in diálogos lusófonos
Oscar Niemeyer (1907-2012) por Francisco Seixas da Costa




A nossa República ainda não existia quando Oscar Niemeyer nasceu. Saíu ontem de cena, com 104 anos, ativo até muito tarde, atento à arquitetura e às coisas e causas da vida, em especial da política.

Já aqui dei conta de uma conversa que com ele mantive, no Rio, no andar em que todos os dias trabalhava, na avenida Atlântica. Fui vê-lo, acompanhado do cônsul-geral António Almeida Lima, a propósito da sua entrada para a nossa Academia das Ciências, para sócio da qual o fui convidar, a pedido de Adriano Moreira.

Na ocasião, perguntei-lhe como via a evolução de Brasília, que então se aproximava de meio século de existência. A cidade crescera para além de todas as expetativas, embora houvesse a consciência de que isso se devia muito ao "droit de regard" que ele mantinha sobre os principais projetos, sem o que a pressão imobiliária iria bem mais longe.

Niemeyer era um homem que falava bastante e não tinha medo das palavras. Explicou-me que a capital federal não deveria nunca ter acomodado tanta gente e que, por exemplo, os edifícios do Congresso eram destinados a quase um décimo dos atuais ocupantes. Surpreendeu-me ao referir que "a ideia era que Brasília tivesse muito poucos militares e hoje está cheia deles..." 

Tendo-lhe eu comentado que, apesar de tudo, Brasília seria sempre uma magnífica obra, uma terra onde, aliás, eu gostava muito de viver, Niemeyer afastou o olhar para aquela espécie de "bow window" facetada, que se projetava sobre a insuperável baía e, de repente, disse-me, de forma enfática: "Sim, embaixador, mas o Rio é a cidade..." Era o carioca de gema que nele vivia que não podia resistir à "cidade maravilhosa".

Os brasilienses estão agora de luto. E os poucos estrangeiros (não chegam a uma dezena) que, como eu, têm a honra de ser cidadãos honorários da capital federal também lamentam muito o desaparecimento da figura de génio que, com Lúcio Costa, deu corpo ao saudável "sonho louco" de Juscelino Kubitshek. 

Logo que regressar a Paris, em homenagem à memória de Niemeyer, cuidarei em passar uma vez mais em frente ao edifício que ele projetou na place Colonel Fabien, para a sede do Partido Comunista Francês, num gesto de dedicação à ideologia a que se manteve sempre fiel. Era esse comunismo, na "genuína" versão soviética, que lhe alimentou a sua aversão à sinistra ditadura militar e lhe inspirava artigos que, com alguma regularidade, a grande imprensa brasileira acolhia, não obstante a inapelável "idade" dessas suas ideias.

Em Portugal, é vulgar atribuir-se a Niemeyer o traço de um hotel no Funchal. Recordo-me que, quando lhe falei disso, foi evasivo: "É um trabalho feito por gente que trabalhava comigo", como que a afastar-se deliberadamente da paternidade dessa obra.

Mas quem é que entre nós sabe que, também em Portugal, Oscar Niemeyer projetou uma construção, que nunca chegou a ser completada, na quinta dos Alfinetes, nos arredores de Lisboa, que chegou a estar destinada à CPLP? Dizem-me que é hoje uma garagem. Será verdade?

ht

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