A
nossa República ainda não existia quando Oscar Niemeyer nasceu. Saíu
ontem de cena, com 104 anos, ativo até muito tarde, atento à arquitetura
e às coisas e causas da vida, em especial da política.
Já aqui dei
conta de uma conversa que com ele mantive, no Rio, no andar em que
todos os dias trabalhava, na avenida Atlântica. Fui vê-lo, acompanhado
do cônsul-geral António Almeida Lima, a propósito da sua entrada para a
nossa Academia das Ciências, para sócio da qual o fui convidar, a pedido
de Adriano Moreira.
Na
ocasião, perguntei-lhe como via a evolução de Brasília, que então se
aproximava de meio século de existência. A cidade crescera para além de
todas as expetativas, embora houvesse a consciência de que isso se devia
muito ao "droit de regard" que ele mantinha sobre os principais
projetos, sem o que a pressão imobiliária iria bem mais longe.
Niemeyer
era um homem que falava bastante e não tinha medo das palavras.
Explicou-me que a capital federal não deveria nunca ter acomodado tanta
gente e que, por exemplo, os
edifícios do Congresso eram destinados a quase um décimo dos atuais
ocupantes. Surpreendeu-me ao referir que "a ideia era que Brasília
tivesse muito poucos militares e hoje está cheia deles..."
Tendo-lhe
eu comentado que, apesar de tudo, Brasília seria sempre uma magnífica
obra, uma terra onde, aliás, eu gostava muito de viver, Niemeyer afastou
o olhar para aquela espécie de "bow window" facetada, que se projetava
sobre a insuperável baía e, de repente, disse-me,
de forma enfática: "Sim, embaixador, mas o Rio é a cidade..." Era o
carioca de gema que nele vivia que não podia resistir à "cidade
maravilhosa".
Os
brasilienses estão agora de luto. E os poucos estrangeiros (não chegam a
uma dezena) que, como eu, têm a honra de ser cidadãos honorários da
capital federal também lamentam muito o desaparecimento da figura de
génio que, com Lúcio Costa, deu corpo ao saudável "sonho louco" de
Juscelino Kubitshek.
Logo
que regressar a Paris, em homenagem à memória de Niemeyer, cuidarei em
passar uma vez mais em frente ao edifício que ele projetou na place
Colonel Fabien, para a sede do Partido Comunista Francês, num gesto de
dedicação à ideologia a que se manteve sempre fiel. Era esse comunismo,
na "genuína" versão soviética, que lhe alimentou a sua aversão à
sinistra ditadura militar e lhe inspirava artigos que, com alguma
regularidade, a grande imprensa brasileira acolhia, não obstante a
inapelável "idade" dessas suas
ideias.
Em
Portugal, é vulgar atribuir-se a Niemeyer o traço de um hotel no
Funchal. Recordo-me que, quando lhe falei disso, foi evasivo: "É um
trabalho feito por gente que trabalhava comigo", como que a afastar-se
deliberadamente da paternidade dessa obra.
Mas
quem é que entre nós sabe que, também em Portugal, Oscar Niemeyer
projetou uma construção, que nunca chegou a ser completada, na quinta
dos Alfinetes, nos arredores de Lisboa, que chegou a estar destinada à
CPLP? Dizem-me que é hoje uma garagem. Será verdade?
ht
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