quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

reforma de bolonha vista do brasil

Por Walnice Nogueira Galvão
Encontra-se em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.
Não há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado, amputando anos de cada um deles.
O que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15 anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.
A França era campeã de departamentos de estudos portugueses e brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são “raras como o português”, esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da Sorbonne.
Todavia, nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil professores de português para suprir seus planos nessa área, que passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e, espera-se, 35 nos próximos anos.
Em segundo lugar, no ano passado, a Europalia, ou festival anual para o qual a União Europeia convida um país, privilegiou o Brasil. Durante três meses, realizou-se um megaevento em sua capital, Bruxelas, apresentando as artes visuais desde a colônia até hoje, com destaque para uma retrospectiva de Artur Bispo do Rosário. Mostraram-se as artes cênicas, o balé e as danças, o teatro, as performances, a música popular e erudita, a produção indígena e africana, o cinema, a literatura.
Em terceiro lugar, o programa Ciência sem Fronteiras, anunciado pelo governo federal este ano, distribuirá 100 mil bolsas de estudo em quatro anos, até 2015 inclusive, com investimento de US$ 2 bilhões. Serão beneficiadas não só as habituais nações ricas, mas também China e Japão.
Livros e computadores
Felizmente há exceções no panorama do Protocolo de Bolonha. Apenas um exemplo: na República Checa, os estudos brasileiros estão conhecendo uma inédita expansão, ganhando alento novo nas três universidades do país. No bojo dessa eclosão, esses estudos foram contemplados com sede própria, com os portugueses, num palácio barroco no centro histórico de Praga. Também acaba de ser fundada uma Sociedade Checa de Língua Portuguesa. Em 2009 instituiu-se o prêmio Hieronymitae Pragenses, destinado a incentivar jovens tradutores entre os alunos de português nas universidades; sua quarta edição será em 2013, com repercussão garantida graças ao júri formado por tradutores de renome.
No mesmo impulso, criou-se uma coleção de traduções de literatura brasileira e portuguesa, ligada à universidade, que já publicou, entre outros, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Macunaíma – que não são textos fáceis nem best-sellers a serviço do mercado. Os checos acabam de convocar seu 1º Colóquio, o “Brasil plural”, reunindo o pessoal de suas três universidades, cobrindo desde literatura e linguística até religião, política interna e externa, direitos humanos, música, antropologia, cinema, e assim por diante. Além disso, dedicam-se a aprofundar os laços entre os especialistas do leste, realizando no momento um congresso em Budapeste.
Nunca é demais lembrar que a Coreia do Sul é um país que saiu do atraso e se projetou na primeira linha das nações porque percebeu que só a educação possibilitaria essa proeza. Maciços investimentos públicos, aliados a uma campanha que tornou a frequência às escolas obrigatória até certos níveis de idade, fundamentaram o projeto. Expandiu-se a rede de estabelecimentos, formaram-se mais professores e os remuneraram adequadamente, forneceram-se livros e computadores; atualmente há 100 mil bolsistas no exterior. E eis aí o resultado, escancarado à vista de todos.
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[Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH/USP]


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