Por Walnice Nogueira Galvão
Encontra-se
em curso já há alguns anos uma vasta reforma do ensino superior na
União Europeia. Ficou conhecida por Protocolo de Bolonha e tem por
objetivo uniformizar os currículos de todos os países-membros.
Não
há dúvida, como sempre que se uniformiza material heterogêneo, que se
trata de um nivelamento por baixo. No espírito, a reforma é
norte-americana: é pragmática, instrumental, técnica e visando ao
mercado. Não que isso seja totalmente errado; só não deveria ser
exclusivo como critério, e os protestos de alunos e professores têm-se
elevado. De fato, diminui a licenciatura, o mestrado e o doutorado,
amputando anos de cada um deles.
O
que é curioso é verificar que uma reforma tão remota possa nos afetar
gravemente. Nesse quadro, a diretriz é deixar definhar os estudos
brasileiros sem alarde, por baixo do pano, sem guilhotinar e sem chamar a
atenção. Um exemplo: a única cátedra de brasilianística existente na
Europa, na Universidade Livre de Berlim, foi ocupada por concurso há 15
anos. Agora, a catedrática aposentou-se e a cátedra foi extinta.
A
França era campeã de departamentos de estudos portugueses e
brasileiros, com 33 deles espalhados pelo país todo. Mas, com o fim da
imigração lusa, que veio a constituir a maior colônia estrangeira (os
árabes não são estrangeiros), com cerca de 2 milhões de cabeças, já não
há concursos de provimento de cargos docentes, os chamados Capes e
Agrégation, há quatro anos; e talvez nunca mais haja. Os departamentos
estão fechando e, para justificar as radicais eliminações, a ministra
das Universidades declarou que não é necessário que todas as matérias
existam em todas as escolas, mas só em algumas, concentrando-se
regionalmente. O argumento é válido; mas, querendo citar um caso
concreto, ela deu o infeliz exemplo daquelas que são “raras como o
português”, esquecendo-se de que essa língua tem mais falantes que o
francês. Também poderia ter chamado de raras o guarani ou o náuatle, que
existem desde que Nanterre (Universidade de Paris X) foi criada para
que os terceiro-mundistas de 1968 acendessem suas fogueiras longe da
Sorbonne.
Todavia,
nem tudo são más notícias. Em primeiro lugar, é contraditório que isso
ocorra quando a procura se intensifica, graças ao crescimento do perfil
de nosso país na cena internacional. Há nítido aumento da aquisição de
livros brasileiros, como também do acesso a cursos de introdução à
língua e à cultura, tanto por parte de estudantes, atraídos pela
possibilidade de estudar aqui, quanto de empresários interessados em
estender seus negócios a nosso país. A China declara precisar de 5 mil
professores de português para suprir seus planos nessa área, que
passaram de cursos oferecidos em apenas 3 universidades para 17 hoje e,
espera-se, 35 nos próximos anos.
Em
segundo lugar, no ano passado, a Europalia, ou festival anual para o
qual a União Europeia convida um país, privilegiou o Brasil. Durante
três meses, realizou-se um megaevento em sua capital, Bruxelas,
apresentando as artes visuais desde a colônia até hoje, com destaque
para uma retrospectiva de Artur Bispo do Rosário. Mostraram-se as artes
cênicas, o balé e as danças, o teatro, as performances, a música popular
e erudita, a produção indígena e africana, o cinema, a literatura.
Em
terceiro lugar, o programa Ciência sem Fronteiras, anunciado pelo
governo federal este ano, distribuirá 100 mil bolsas de estudo em quatro
anos, até 2015 inclusive, com investimento de US$ 2 bilhões. Serão
beneficiadas não só as habituais nações ricas, mas também China e Japão.
Livros e computadores
Felizmente
há exceções no panorama do Protocolo de Bolonha. Apenas um exemplo: na
República Checa, os estudos brasileiros estão conhecendo uma inédita
expansão, ganhando alento novo nas três universidades do país. No bojo
dessa eclosão, esses estudos foram contemplados com sede própria, com os
portugueses, num palácio barroco no centro histórico de Praga. Também
acaba de ser fundada uma Sociedade Checa de Língua Portuguesa. Em 2009
instituiu-se o prêmio Hieronymitae Pragenses, destinado a incentivar
jovens tradutores entre os alunos de português nas universidades; sua
quarta edição será em 2013, com repercussão garantida graças ao júri
formado por tradutores de renome.
No
mesmo impulso, criou-se uma coleção de traduções de literatura
brasileira e portuguesa, ligada à universidade, que já publicou, entre
outros, Guimarães Rosa, Machado de Assis e Macunaíma – que não são
textos fáceis nem best-sellers a serviço do mercado. Os checos acabam de
convocar seu 1º Colóquio, o “Brasil plural”, reunindo o pessoal de suas
três universidades, cobrindo desde literatura e linguística até
religião, política interna e externa, direitos humanos, música,
antropologia, cinema, e assim por diante. Além disso, dedicam-se a
aprofundar os laços entre os especialistas do leste, realizando no
momento um congresso em Budapeste.
Nunca
é demais lembrar que a Coreia do Sul é um país que saiu do atraso e se
projetou na primeira linha das nações porque percebeu que só a educação
possibilitaria essa proeza. Maciços investimentos públicos, aliados a
uma campanha que tornou a frequência às escolas obrigatória até certos
níveis de idade, fundamentaram o projeto. Expandiu-se a rede de
estabelecimentos, formaram-se mais professores e os remuneraram
adequadamente, forneceram-se livros e computadores; atualmente há 100
mil bolsistas no exterior. E eis aí o resultado, escancarado à vista de
todos.
***
[Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da FFLCH/USP]
[Fonte: www.observatoriodaimprensa.com.br]
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“Els límits de la meva llengua són els límits del meu món”
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
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"Se as coisas são inatingíveis... ora!/Não é motivo para não querê-las.../
Que tristes os caminhos se não fora/A mágica presença das estrelas!" Mário Quintana
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