Estava
com os nervos à flor da pele. Disparei contra o presidente, uma bala no
lado direito da nuca. Ele caiu. Seu chefe da guarda presidencial chegou
com uma arma pesada. Começou um tumulto. Escapei enquanto levavam o
ferido1.” O “presidente” é o capitão Moussa Dadis Camara, que tomou o poder na Guiné após um golpe de Estado, em 23 de dezembro de 20082.
O autor do tiro, seu ajudante de campo, Abubakar Toumba
Diakite, está foragido desde 3 de dezembro de 2009. Hoje, o general
Sekouba Konaté assumiu as funções de chefe de Estado “interino” enquanto
Moussa Dadis Camara se convalesce em
Burkina Faso, após ter ficado internado em um hospital de Rabat.
Encontramos
na Guiné todos os ingredientes do pesadelo político africano: a
pobreza; a violência; o golpe de Estado – antes da atual junta, o
ex-presidente Lansana Conté havia chegado ao poder após tomada do poder
em 1984; e o militar justiceiro, mais ou menos louco – a megalomania
criminosa do capitão Camara ficou patente depois da repressão intensa às
manifestações de 28 de setembro de 2009 na capital Conacri.
Após
um período de euforia democrática no início dos anos 1990, que viu
desaparecer um a um os regimes de partido único e a adoção de
Constituições que validavam a democracia liberal, os anos 2000 se
caracterizam, na realidade, por inúmeros retrocessos políticos na
África.
O espectro da guerra civil, que assombra muitos países
desde a colonização, não desapareceu. Ganhou inclusive força em uma
nação renomada por sua
estabilidade, a Costa do Marfim, em 2002. Incapaz de estabelecer um
sistema eleitoral aceito por todas as partes em razão da instabilidade
das instituições do Estado, o país não conseguiu, desde 2005, organizar
eleições. Elas foram adiadas várias vezes, com o consentimento da
“comunidade internacional”, fazendo do presidente Laurent Gbagbo uma
espécie de monarca de fato3.
A
essas ignomínias soma-se uma nova maneira de contornar a democracia: a
manipulação ou a modificação autoritária da Constituição pelo chefe de
Estado para poder se reeleger. Foi o caso da Guiné em 2001 e de Camarões
em 2008, onde colocaram fim à limitação do número de mandatos
presidenciais, e do Togo em 2002, com a adoção de um escrutínio de um
turno, muito favorável ao poder vigente. Na Nigéria, em 2009, o
presidente Mamadou Tandja dissolveu a Assembleia Nacional e
organizou um referendo, boicotado pela oposição, a fim de aprovar uma
revisão constitucional que permitia a ele se candidatar
indefinidamente.
No entanto, se a atualidade se mostra muitas
vezes violenta no continente, os progressos realizados nos últimos 20
anos são reais e ninguém ousará dizer, como o presidente francês Jacques
Chirac em 1990, que “a África não está madura para a democracia4”. Em contrapartida, as liberdades conquistadas se exercem dentro de um conjunto de ameaças que as fragilizam constantemente.
1 Radio France International, 16 de dezembro de 2009. Disponível em: www.rfi.fr.2 Ler Gilles Nivet, “A La Guinée d’un putsch à l’autre”, Le Monde Diplomatique, novembro de 2009.3 Ler Vladimir Cagnolari, “Une génération à l’assaut de la Côte d’Ivoire”, Le Monde Diplomatique, novembro de 2009.4 Mesmo
que, segundo o presidente Nicolas Sarkozy, “o homem africano não tenha
entrado muito na história” (discurso em Dakar de 26 de julho de 2007).
leia o artigo na íntegra no
http://www.diplomatique.org.br/artigo.php?id=628
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