quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

crise do jornalismo nos açores


A crise do jornalismo

Osvaldo Cabral


Há jornais que estão a fechar nos Açores e outros que ameaçam encerrar se não se reestruturarem.

A televisão açoriana corre o risco de desaparecer, se a região não assumir a sua gestão, como pretende o Ministro Miguel Relvas, que enviou carta nos últimos dias a Vasco Cordeiro, segundo sei, a informá-lo da intenção.
É um cenário semelhante ao que se vive no panorama nacional, com as devidas dimensões.

Quais as causa e as consequências?

A crise económica tem contribuído, sem sombra de dúvidas, para este quadro, mas não explica tudo.

Na imprensa tradicional, a inadaptação às novas tecnologias e a incapacidade para inovar em toda a linha da actividade, parecem ter uma quota parte.

É difícil encontrar dados objectivos na nossa região para uma análise objectiva e conclusiva deste panorama, mas se olharmos para o cenário nacional, não andaremos muito longe dos mesmos reflexos entre nós.

O mercado publicitário em Portugal perdeu 280 milhões de euros nos últimos cinco anos.

Só este ano é muito provável que os media portugueses consigam um volume de receitas comerciais, na melhor das hipóteses, de meio milhão de euros, o que significará uma quebra de 15% face ao ano passado.

Quer isto dizer, para quem não sabe, que o bolo publicitário poderá atingir este ano o valor mais baixo dos últimos 14 anos.

A piorar este quadro, temos ainda a quebra de vendas.

Os jornais diários generalistas, em Portugal, vendem hoje menos 100 mil exemplares por dia do que há dez anos atrás (253 mil exemplares por dia em 2012, contra os 354 mil em 2002).

Nos Açores não há números registados sobre as receitas publicitárias e relativamente à venda de exemplares não há fiabilidade porque a tiragem dos jornais açorianos não é controlada, à boca das impressoras, pela Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação.

Mas o cenário não deve ser muito diferente.

No caso das receitas publicitárias, é certo que elas têm caído em todos os media açorianos, com a agravante de muitos se queixarem dos atrasos de pagamentos de publicidade institucional e outros fornecedores habituais de publicidade.

Quanto à tiragem, regista-se uma ligeira quebra, comparada com tiragens de há cinco anos atrás, explicando-se esta diferença em relação aos jornais nacionais com o facto dos media açorianos basearam, ainda, grande parte das suas vendas nas assinaturas pagas.

Estes factores têm concorrido para a crise que se vive nos media, provocando fecho de jornais, despedimentos, restrições na actividade, adiamento de projectos, cortes nos ordenados, menor número de páginas e venda de activos ou de património.

Claro que esta fragilidade tem consequências óbvias nos conteúdos, enfraquecendo não só a qualidade, como pondo em causa a independência, rigor e isenção da actividade profissional.

Mas a situação torna-se ainda menos sustentável quando as empresas não se inovam e recusam adaptar-se aos novos tempos.

A imprensa tradicional já não é o que era e vai continuar a enfrentar “choques tecnológicos” a cada ano que se passa.

É curioso que o único suporte onde esta tendência de quebra se inverte é na Internet.

Embora de forma ainda tímida, as receitas estão a subir nas plataformas de multimedia, não admirando, por isso, que muitos jornais tradicionais estejam a transferir todo o seu potencial para as multiplataformas digitais.

Nos Açores, onde tudo chega sempre mais tarde, há também algumas mudanças, mas ainda muito incipientes e com falhas clamorosas ao nível da imprensa escrita.

Apesar de tudo, temos o exemplo da plataforma multimedia da RTP-Açores, que já faz o seu caminho de sucesso, com um número interessante de visualizações, destacando-se também o sucesso do portal do seu Correspondente na Graciosa, que já é considerado um "case study".

A emigração açoriana tem um efeito multiplicador nestas novas plataformas, coisa que a imprensa não deveria descurar e apostar mais em força.

Outro factor essencial na geração de hoje, são os jovens que consultam as redes digitais, em detrimento da imprensa tradicional.

O imediatismo que se ganhou nos últimos anos ultrapassou a paciente laboração das redacções.

Há quem diga mesmo que a reconversão tecnológica apanhou desprevenido o jornalismo, com as redes sociais a ultrapassarem a lógica do funcionamento do jornalismo tradicional.

Daí ao mercantilismo da profissão foi um ápice.

Deixou-se de optar pelo jornalismo puro e duro, em que pontificavam profissionais audazes e com talento natural, em detrimento de jovens qualificados, é certo, mas com uma formação prática pouco adequada à actividade e adaptados a uma precaridade que o mercado rapidamente absorveu, para colmatar a frágil situação financeira dos media.

A regeneração trouxe outros problemas, como a facilidade de utilizar todos os instrumentos tecnológicos ao dispor, mas sem tempo para tratá-los e sem base de reflexão.

A visão romântica do jornalismo da minha geração está ser esmagada por esta forte competição do imediatismo do digital e do lucro das empresas.

Neste cenário competitivo perdem-se algumas qualidades, com os naturais atropelos na técnica e no conteúdo.

A prova está no estudo “Desafios do jornalismo”, que a Obercom realizou em 2010, com base numa amostra de 212 profissionais da comunicação social, onde se conclui que grande parte dos jornalistas reconhece que as notícias estão “cada vez mais cheias de erros factuais” e as peças jornalísticas tratadas de forma cada vez menos rigorosa e precisa.

Outro problema detectado é o desinteresse em abordar temas de maior complexidade, que exigem mais tempo e um tratamento profissional mais aprofundado, como é o caso do jornalismo de investigação.

Conclui-se neste estudo que a pressão do imediatismo a preocupação com as audiências passaram a marcar a agenda noticiosa nas redacções, em prejuízo da maior disponibilidade dos media para a abordagem rigorosa dos acontecimentos actuais e de interesse público.

Quase todos os especialistas que se dedicam a analisar o comportamento dos media convergem neste diagnóstico, que é comum nos Açores.

José Luis Garcia, sociólogo e investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou o livro “Estudos sobre os jornalistas portugueses”, onde faz um retrato duro da situação: “o jornalista está quase a ser obrigado a esquecer a sua profissão de fé, o seu juramento com a vida pública. Isto deve-se à pressão que está a ser exercida pelas novas formas de gestão, que estão acavalitadas pela revolução tecnológica digital e que produzem uma possibilidade de expansão do negócio para além de conteúdos jornalísticos, que são todos os conteúdos vendáveis do ponto de vista do mercado”.

Por outras palavras, o produto jornalístico tende a ser tratado como mera mercadoria, em vez de um “bem de conhecimento”, pelo que os media passam, assim, a tratar o leitor não como um cidadão, mas como um mero consumidor.

José Luis Garcia está contra esta dicotomia, porque entende que o jornalismo é uma actividade que nasce da necessidade da esfera pública ser “munida de informações, de conhecimentos que dão sentido à vida pública e social. Não nasce da necessidade de se obter lucro para as empresas. O jornalista tem um vínculo ético com a sociedade e não pode prescrever falsas informações, propaganda ou conteúdos mediáticos ao serviço apenas das audiências que gerem lucro. O espaço público está inundado por formas corruptas de jornalismo ou informação”.

É neste dilema, entre o compromisso profissional e a sobrevivência económica, que o papel do gestor se torna figura central na redacção.

A polémica do envolvimento dos jornalistas na própria gestão dos media é uma discussão antiga que nasceu em vários media internacionais.

Não sei o que se passou no jornal "A União", mas não seria de descurar se os seus responsáveis, antes de tomarem a drástica decisão, tentassem envolver jornalistas e restantes quadros na própria gestão do jornal.
Em 1976, no I Seminário de Jornalismo realizado em Lisboa, o responsável pela concepção do semanário francês “Le Nouvel Observateur” introduziu o debate.

Dizia Bernard Le Roy: “Parece-me fundamental que nós, jornalistas, nos interessemos pelos domínios da técnica e da gestão se quisermos conservar o controlo sobre o jornal, em cuja feitura a nossa participação é de facto importante.

Quaisquer que sejam as nossas opiniões políticas ou filosóficas, não creio que no mundo da tecnologia em que vivemos, seja possível ir contra a evolução dessa tecnologia, pois não podemos de modo algum perder o comboio do progresso.

Se nós, jornalistas, não compreendermos o que se passa no domínio das técnicas, escapar-nos-á completamente o controlo do jornal.

É, pois, muito importante sabermos aquilo que as nossas máquinas podem ou não fazer, qual o tempo que gastam na realização das suas tarefas, em que condições as executam, com que qualidades e por que preço teremos os resultados do seu trabalho.

De outro modo, arriscamo-nos a ver chegar à nossa empresa técnicos cujo calão profissional ignoramos em absoluto e que, em breve, acabariam por controlar o jornal”.

Ou seja, o jornalista, hoje, não pode permanecer apenas na redacção sem conhecer, também, o restante circuito laboral da sua empresa.

Trata-se de um debate interno, nos media de hoje, que não anda muito longe das preocupações de Le Roy há 36 anos atrás.

Foi com base nestes argumentos que, no início dos anos 80, conseguiu-se alterar a gestão gráfica e jornalística do jornal “Correio dos Açores”, que é um exemplo de recuperação de jornal praticamente perdido no mercado. Os seus jornalistas e funcionários assumiram a gestão do jornal e conseguiram recuperá-lo até aos dias de hoje.

O choque tecnológico trouxe alguns dissabores, mas permitiu salvar este diário de Ponta Delgada e guindá-lo para outro patamar da modernidade.

Todas as alterações profundas têm custos, mas recusar a adaptação às próprias mudanças da sociedade, é ficar para trás.

Por exemplo, há umas décadas atrás, ainda na era do “off-set” (e alguns sobrevivendo nas velhas “linotypes”, como os da minha geração, que apanharam todas estas transições), jamais se imaginaria o jornalista a ter como missão escrever a reportagem para o jornal, gravar o acontecimento em vídeo e editá-lo, colocar um “post” no multimedia, gravar alguns sons e colocá-los com dois ou três parágrafos nas várias plataformas (telemóvel, ipad, etc.).

Foi uma evolução rápida, mas também com consequências.

Desde logo, o jornalista ficou com menos tempo para pensar, corrigir ou voltar a confirmar.

Dir-se-á que o jornalismo enriqueceu no imediatismo, mas empobreceu na riqueza do conteúdo.

A agravar o novo paradigma, temos nos Açores, pela sua dimensão, um espaço público pouco diversificado, pouco dado ao debate e ao confronto de ideias, e muito ausente dos grandes temas que afectam a cidadania.

É por isso que as excepções são sempre notícia, mas acabam por cansar o público porque as figuras mediatizadas são sempre as mesmas.

Se os media não se abrirem à cidadania correm o risco de afunilarem o seu pensamento, anulando, assim, o contributo para um debate aberto e plural que a sociedade requer.

É disto que se queixam alguns estudiosos, apontando como defeito a proliferação dos mesmos comentadores, os mesmos opinadores, as mesmas vozes, os mesmos protagonistas, diminuindo o espaço plural e a participação de outros cidadãos.

Acresce a tendência, cada vez maior, do poder político dominar o discurso dos media, através da criação de gabinetes de assessores e assistentes recrutados, exactamente, nas redacções dos jornais.
O colunista Leonel Moura defende que, perante este cenário, é preciso um novo poder, dando como exemplo a internet: “Não foi criada por políticos, empresários, gente influente ou filósofos. Emergiu de um conjunto de saberes dispersos e muito voluntarismo de jovens libertários. Mas mudou radicalmente o mundo. Hoje bem podem os poderes convencionais tentar controlá-la, transformá-la num simples produto mercantil ou procurar desviá-la para o serviço ideológico, mas a internet, ou pelo menos parte dela, continuará a evoluir no sentido da sua génese de dotar a sociedade humana de um espaço único de liberdade e partilha global de saberes e experiências”.

Em resumo, os meios convencionais não podem deixar-se morrer sem que experimentem uma regeneração a meio termo.

A sociedade mudou e há que adaptar novas formas de aproximação aos cidadãos, bombardeados diariamente com uma actualização de todos os assuntos, graças aos novos meios de comunicação.

Os jornais têm que encarar este novo paradigma com toda a frontalidade, porque ignorá-la, como alguns estão a fazer, é o suicídio certo do jornalismo em papel.

Nestes últimos cinco anos, meia dúzia de jornais desapareceram da circulação nos Açores, outros estão mergulhados em dificuldades e até o serviço público de rádio e televisão vive os piores dias da sua história.

Há que provocar um sério debate, com reflexão serena, sobre o futuro do sector e o que pretendem os açorianos do serviço público regional.

Este debate é oportuno e oxalá se estenda a outras ilhas.
É que matar a imprensa açoriana é matar a história dos Açores, porque, como alguém já alertou, a partir da primeira metade do século XIX, a história dos Açores é, em boa parte, a história dos seus jornais.

Mário Bettencourt Resendes, de saudosa memória, jornalista açoriano, Director do “Diário de Notícias” durante doze anos, lançou o alarme em 2004, como orador convidado do Dia da Região Autónoma dos Açores, que decorreu na ilha Graciosa.

“A imprensa nasce então na ilha Terceira por obra dos liberais, e não é por certo coincidência o facto de as grandes inovações em matéria de comunicação social chegarem às ilhas como consequência da acção de movimentos revolucionários de pendor democrático”, lembrou Bettencourt Resendes, numa intervenção recheada de desafios para os tempos actuais.

A leitura que fazia então dos Açores na relação com a imprensa era assim sintetizada: “A sintonização da vida dos açorianos com o tempo da modernidade confronta-se agora com outros patamares em matéria de sociedade mediática. As novas tecnologias de Informação, e em particular a Internet, são instrumentos indispensáveis de acesso ao saber e, num cenário arquipelágico, ganham um significado acrescido de esbatimento das distâncias face aos centros de decisão e às bases de concentração de dados”.

É neste contexto que a imprensa açoriana tem que se regenerar.

Com muitas dificuldades, é certo, mas se optarmos por seguir caminhos convencionais já desajustados do nosso tempo, ou se preferirmos dar o salto sem cuidar do rigor e seriedade da profissão, como acontece em muitos jornais nacionais, então o melhor é mesmo ir pensando no fim da etapa.

É que os novos leitores, das próximas gerações, vão ser leitores digitais.

Poucos irão aderir ao papel, como hoje. A evolução e o rápido acesso aos equipamentos digitais vão obrigar os media a alterar as suas rotinas e os seus suportes.

E não será apenas no sector da comunicação social. Será, também, nas escolas, onde os livros também serão substituídos pelos equipamentos tecnológicos.

Já é assim em várias partes do globo.

Por exemplo, no estado norte-americano da Florida, o quarto maior dos EUA, as 400 escolas públicas de Miami Dade (Grande Miami), já funcionam apenas recorrendo a instrumentos digitais.

Curiosamente, o autor desta revolução é um luso-americano, Alberto Carvalho, de 48 anos, Superintendente do Condado de Miami Dade (o equivalente ao Secretário Regional da Educação de Miami), gerindo um orçamento de mais de 2 mil milhões de euros, com 53 mil empregados, 23 mil professores e 500 mil estudantes.

Alberto Carvalho implementou o Wi-Fi nas 400 escolas e adoptou uma política que permite todos os alunos terem o seu equipamento electrónico, com um programa académico personalizado.

Com este método, os alunos deixam de utilizar o papel.

É um exemplo do que poderá ser o futuro também nos Açores.

“Vai haver muita resistência – avisa Alberto Carvalho – devido à mudança das coisas que conhecemos, o cheiro do papel, etc. A indústria não se vai adaptar rapidamente, porque ganha muito dinheiro com os livros escolares impressos. Essa mudança digital vai ser tectónica – a tensão será criada pelos estudantes digitais, que estão aborrecidos”.

Não custa acreditar que, a partir daqui, o mesmo acontecerá com os jornais em papel.

Não significa que todos irão desaparecer, mas o número de vendas diminuirá com as novas gerações e, consequentemente, alguns terão muitas dificuldades em sobreviver.

A procura de notícias e de informação através dos meios digitais será cada vez maior, até porque os açorianos já passam várias horas, diariamente, diante do computador (média em Portugal de uma hora e meia só nas redes sociais).

Bettencourt Resendes, numa visão correcta do que vinha aí, avisou: “À imprensa escrita cabe ainda, nos tempos de tempestades deontológicas que atravessamos, ganhar o distanciamento suficiente de reflexão face à vertigem dos ritmos audiovisuais. Os episódios dramáticos que têm abalado a sociedade portuguesa nem sempre foram tratados com o rigor e o enquadramento recomendáveis pelo melindre de tudo o que estava – e está – em causa. Só uma utilização cuidadosa de filtros de bom senso e inteligência pode funcionar como mecanismo de auto-regulação capaz de prevenir as tentações de excessos regulamentadores que vêm à tona nestes períodos conturbados e que encontram um eco compreensível em colectivos chocados com o ruir de valores ou de protagonistas que se tinham por irrepreensíveis”.

Saibam os Açores, os açorianos e os seus profissionais de informação dotarem-se deste bom senso para levar o jornalismo da nossa região à categoria do melhor que já se fez e que se fará ao longo dos novos tempos.

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