A autonomia muda
Manuel Leal
no Expresso das Nove
A autonomia está sob um ataque matreiro, subtil e
silencioso. É o prosseguimento da política de contenção iniciada ainda em 1975
pelo general Altino de Magalhães, um militar ardiloso como uma raposa. Desde
então, todas as chamadas conquistas autonómicas não passaram de concessões
táticas da República. O governo central beneficia ainda da conspiração de
interesses internacionais que o dominam.
Seria de esperar, todavia, que os órgãos do Governo Regional
reagissem a esta nova investida. Não há uma estratégia credível das chamadas
hostes autonómicas para resistir como em termos históricos antes ocorreu.
Porque é preciso colocar o Governo da República perante um nó górdio. Ou
respeitaria a autonomia, ou teria de acabar com ela, forçosamente. Mas seria
preciso coragem, e lealdade aos Açores, para se colocar a justiça desta
posição, sistematicamente e de modo insistente, à avaliação do povo açoriano.
Por isso a TV regional, independente e isenta de cordelinhos prosélitos, é mais
necessária do que os «melhoramentos» de fachada com propostos publicitários.
A oposição a este assédio cada vez mais apertado tem de
fazer-se através da voz popular. De maneira que o governo central se veja
forçado a intervir diretamente ou a respeitar a vontade açoriana. A primeira
seria recebida no mundo, e sobretudo onde a diáspora açoriana possui uma
presença numerosa, com um vozeirão de protesto. A segunda, porém, não
enfraqueceria a integridade da nação. Não está em disputa o gestalt nacional,
mas o processo neocolonialista no exercício do poder central.
Independentemente dos erros que o governo de Carlos César
cometeu ao longo dos anos, em alguns dos momentos mais graves ele
identificou-se, pelo menos de modo simbólico, com a defesa da autonomia. Mas o
governo do seu sucessor, Vasco Cordeiro, parece manifestar uma timidez
incómoda, evocativa dos últimos anos, anémicos, da governação de Mota Amaral.
Nenhum dos partidos no Governo Regional soube ainda lutar
pela autonomia numa aliança inequívoca com o povo, após o período inicial do
entendimento entre o PPD/ PSD e a FLA. Por isso caiu a administração
social-democrata de Mota Amaral, que abandonou o governo apadrinhado pelo seu
partido nacional. O atual elenco socialista, tanto no Executivo como na
Assembleia, de que muito se esperava, prefere funcionar no silêncio no
relacionamento com a metrópole . Fora da observação popular, francamente,
ninguém sabe o que faz.
Os partidos com assento nos órgãos do governo do Arquipélago
são extensões dos partidos nacionais, como as vacas à corda. Só assim se
explicam as verbas eleitorais e outros privilégios que os reizetes regionais
recebem dos sobas nacionais. Naturalmente, presume-se que têm de obedecer à
estratégia eleitoralista, e não só, das estruturas centrais sedeadas em Lisboa.
Por outro lado, os açorianistas ainda não souberam trazer
para as eleições líderes relevantes e geralmente respeitados como tal, e
populares, a fim de conquistarem a confiança dos eleitores. Nem possuem os
meios financeiros e a organização para competirem com as associações nacionais.
A legislação portuguesa, como todos os sistemas centralizados e neocoloniais
depois da doutrina de Woodrow Wilson, criou uma organização enganosa e
legalista que favorece os chefes partidários e os grupos de interesses
apostados na minimização do poder regional.
A autonomia perdeu
credibilidade. Não alimenta a esperança, nem oferece uma alternativa, de que as
instituições açorianas se possam opor ao centralismo da metrópole. O Governo
Açoriano, e o partido que o mantém, caminha para um fiasco sem uma postura
claramente autonómica.
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