O Papa Bento XVI e os Sinais dos Tempos
Do Perigo dos Talibans da Opinião e dos Monopolistas da Verdade
O ser (o Bem) é mais que o valer (Valores)
António Justo
Impossibilidade dum Papa à la Carte.
Ser Papa implica ter um perfil impossível de conciliar com dogmatismos tradicionalistas ou progressistas. Os
progressistas parecem querer fazer do catolicismo o que os evangélicos
já são e os conservadores parecem ignorar o facto que o mundo segue
aqueles que o mudam. A realidade apresenta diferentes perspectivas
de avaliação. É impossível conseguir um papa à medida dos diferentes
interesses de pessoas e grupos que exigem dele ser o seu peixe sem
espinhas. Uma instituição exerce poder, por natureza, sendo como tal
injusta na perspectiva individual; o mesmo se dá com o indivíduo ao
exigir uma instituição à sua medida, quando a instituição terá de ser
tecto para todos com as suas diferenças (o mesmo dilema se encontra
entre a lei constitucional e a lei forense). Como é impossível ter um
Papa à medida de todos mas, possivelmente, à medida do todo, há na
Igreja as diferentes igrejas e responsáveis inseridos em diferentes
situações éticas, étnicas e políticas; mas todos numa atitude de
obediência a Jesus e de abertura ao Espírito Santo. Ser Papa (servo
dos servos) significa seguir a cabeça da Igreja que é Jesus e estar
atento ao Espírito Santo que se expressa em todo o lugar dentro e fora
da Igreja. Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome lá estarei
eu no meio deles (Mt 18,20). Neste grande corpo somos todos irmãos
embora com diferentes carismas e missões, a serem respeitados. O
magistério do Papa tem um caracter constitucional (constituição viva)
mas tem de ser interpretado pelas comunidades locais num ambiente de
tolerância recíproca superadora da arrogância dogmática do criticador e
do criticado, à luz do E. Santo. Observa-se também na eclésia, entre
membros e instituição, um discurso, por vezes, mais orientado para a
divergência do que para a convergência. Este é um estilo machista
baseado na concorrência que, em vez de tentar unir as pessoas, propaga
um jogo não criativo de uns contra os outros, como se o Mestre não
estivesse no meio deles. A igreja é de todos os pecadores, sejam eles
tradicionalistas ou conservadores, papas, teólogos, doutores, pastores
ou rebanho. O Espírito sopra em toda a seara.
A Igreja precisa de rejuvenescimento
Bento XVI, o teólogo na cadeira de Pedro, merece todo o respeito pelo passo corajoso da sua renúncia. Esta não foi uma decisão instantânea até pelo facto de, contra o habitual, não terem sido programadas viagens papais para o ano de 2013.
Um Papa é eleito vitaliciamente mas o direito canónico dá-lhe o direito
de renúncia. Com o seu gesto de resignação, Bento XVI dá oportunidade a
um “recomeço”, numa Igreja que se entende como “semper renovanda”.
Bento
XVI nem sempre sintonizou com certas manifestações do século XXI,
também porque algumas delas (absolutização do individualismo e redução
da pessoa a mercadoria) afectam os fundamentos do cristianismo.
Toda
a pessoa está sujeita ao envelhecimento biológico e ao envelhecimento
social; biologicamente, a nível de gerações e socialmente porque o
mundo/sociedade em que vivemos não pára e até nos chega a ultrapassar.
A
eleição dum novo Papa será uma oportunidade para a Igreja estar atenta
aos sinais dos tempos sem se deixar sorver pelo remoinho do espírito do
tempo. Numa altura em que a sociedade ocidental se abre cada vez mais
aos valores da feminidade seria oportuno repensar-se novas funções da
Igreja para a mulher (Diaconado!); também no que respeita aos
divorciados que queiram casar novamente, neste sentido seria uma boa
altura para alargar os factores que justificam o anulamento dum
casamento, etc. No século XXI seria uma das suas grandes missões o
fomento não só do Adão (masculinidade) mas também da Eva (feminidade)
como maneira de estar também na instituição.
Salvo
erro, na época que atravessamos, penso que a eleição dum Papa africano
ou asiático corresponderia, mais uma vez, à antecipação da Igreja
(através do Paráclito) em relação ao decurso da História.
No pontificado de Bento XVI sobressai a intelectualidade/teologia
Bento
XVI é um intelectual, fiel a si mesmo e à eclésia e coloca-se, com a
sua renúncia, mais próximo do povo. “As minhas forças em consequência da
minha avançada idade (85 anos) já não são razoavelmente apropriadas
para exercer o serviço de Pedro”.
A
primeira preocupação do seu pontificado foi a acentuação do amor. Neste
sentido escreveu a encíclica “Deus é Amor” (Deus caritas est) apelando à
fé no amor (característica cristã) que é também eros e caridade.
A
sua segunda preocupação foi a Verdade. Contra o relativismo corrente,
afirma que é no cristianismo onde a verdade se pode reconhecer melhor.
Na encíclica "esperança cristã" (Spe salvi) apresenta a fé como
esperança. A sua encíclica social “caridade em verdade” (Caritas in
Veritate) versa vários temas socioeconómicos e a crise económica e
financeira.
Também
esclareceu que opiniões mesmo institucionais estão sujeitas aos
condicionalismos (manifestações) do tempo. As reacções estão muitas
vezes determinadas pelo tempo mas o que importa é a atitude de fundo que
prevalece.
Admoestou todos os cristãos, católicos e não católicos, a estarem atentos ao essencial. “Deus actua silenciosamente” (baixinho,
discretamente).Teólogos protestantes louvaram os livros de Bento XVI
sobre Jesus, afirmando que eles também poderiam ter saído duma pena
protestante. Bento XVI é certamente o maior teólogo do nosso tempo, e de
grande relevância para uma reflexão comum, como reconhecem também altos
dignatários evangélicos. Também seria pertinente que os construtores da
União Europeia lessem atentamente os seus escritos, devido à sua
pregnância cultural, e aos perigos que esta corre e que ele admoesta a
evitar. O Cristianismo (Igreja Petrina) é a mãe da Europa e duma
globalização a ser realizada em serviço do Homem e não apenas em serviço
da economia.
O
presidente da Alemanha, Joachim Gauck, antigo pastor evangélico, reagiu
à sua renúncia dizendo „A sua fé, a sua sabedoria e a sua humildade
humana impressionou-me profundamente”.
A
sua aura foi enevoada com o escândalo de abusos, Vati-leaks-Affäre, com
os documentos roubados da sua secretária e com o drama da irmandade Pio
XII. Procurou conciliar a liturgia pós-conciliar com a anterior e assim
superar a separação com os tradicionalistas em torno de Marcel Lefebvre
(irmandade Pio X). A sua preocupação principal foi a união da igreja
(impedir a formação duma igreja retrógrada - a irmandade Pio X) e apelar
à renovação interior das pessoas; empenhou-se na defesa dum mundo de
valores humanos globais, da ecologia e da mudança social; ele lamentou o
pecado na Igreja pedindo perdão. Embora não tenha sido um reformador
estimulou os crentes a ocuparem-se com as consequências do mundo
moderno. Bento XVI foi um mártir do silêncio. “Eu sou apenas um simples
pequeno trabalhador na vinha do Senhor”. A História reconhecê-lo-á como
um padre da Igreja que dedicou toda a sua vida à pergunta de Deus; da
resposta a ela depende a subsistência duma civilização.
Os Talibans da Opinião
A
Igreja tal como o ser humano é santa e pecadora. Somos portadores da
gene divina e da gene “diabólica” tanto a nível individual como
institucional. O problema da arrogância tanto institucional como
individual vem da propensão para a autoafirmação/individuação à custa de
alguém; por trás duma crítica destrutiva ou duma afirmação absoluta
esconde-se um grande ego que se branqueia, esquecendo o aspecto negativo
da própria gene. Daqui resulta uma crítica destrutiva, exclusivista
que esquece o aspecto complementar de tudo o que é real, não notando
que a certeza com que se condena o adversário tem o mesmo fundamento do
que se condena ou defende e o mal e o bem que se encontra no outro se
encontra latente em nós também.
Por vezes predomina a maldade
do julgamento e a absolutização da própria opinião perante a razão.
Muitos papitas aproveitam-se do que acontece no vaticano para vociferar
contra o Papa identificando a Igreja e o Papa com o Vaticano. Forças
políticas e económicas, da globalização estão interessadas em
enfraquecer a voz da primeira organização global que manifesta a voz de
quem não tem voz; interessa-lhes ter o povo indefeso à disposição sem
alguém que lhes leia os Levíticos. Uma instituição com a missão de
garantir a continuidade dos valores fundamentais não poderá agradar nem a
tradicionalistas nem a progressistas, nem tão-pouco ao turbocapitalismo
e às ideologias. A sua missão é mediadora no seguimento humilde do
Espírito.
A
Igreja petrina terá de continuar a assegurar a memória de Cristo e de
viver na convergência, a exemplo do seu Mestre, para poder garantir a
continuidade. Espera-se da Igreja o discernimento de distinguir entre
o espírito (o bem) e os valores, entre o ser e o valer. Facto é que o
espírito/o bem é e os valores valem. O espírito é eterno e permanente,
os valores são circunstanciais, limitados. O espírito, o bem (o ser) é
mais que o valor (o que vale moralmente). O que vale aqui (ocidente)
pode não valer acolá no oriente. Os valores estão ao serviço do ser,
da felicidade. Bento XVI actuou no sentido duma ética do ser, uma ética
da convergência. A crítica positiva ou negativa ao seu actuar tem mais a
ver com posições legítimas mas que não podem ser dogmáticas nem
infalíveis; ao contrário do que se observa na expressão pública.
Na
vida real primeiro vem o comer e só depois o dever. A moral (dever) não
pode porém ser subjugada ao comer, ao espírito do tempo que julga tudo
pela onda (situação) em que se encontra envolvido, fazendo dela um
dogma. A polarização e o ecletismo não levam a nenhum lugar, o que
importa é a síntese. Neste sentido Bento XVI usa um discurso modesto e
irénico (conciliador, integrador) e não apologético dialético. Há muito
que aprender dele.
A vacância papal.
A
vacância papal começa no dia 28 de Fev. às 20 horas. O conclave dos
cardeais será convocado para Março. Bento XVI recolher-se-á no mosteiro
carmelita do vaticano. O novo Papa será eleito pelos cardeais (120) que
ainda não atingiram os 80 anos de idade. O Papa para ser eleito terá de
conseguir dois terços de todos os votos.
Especulações
de possíveis cardeais papáveis fazem referência aos cardeais: Peter
Turkson do Gana, Francis Arinze da Nigéria, Otto Schrerer do Brasil,
Marc Quellet do Canadá e Ângelo Scola da Itália.
Resta
esperar que os cardeais reunidos em conclave se abram ao Espírito
Santo, conscientes de que a Igreja não é o Vaticano, mas que o Vaticano
tem muita responsabilidade, não se podendo deixar subjugar por
interesses de poder ou de facções.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
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O espaço Diálogo_Lusófonos tem por objetivo promover o intercâmbio de opiniões
"Se as coisas são inatingíveis... ora!/Não é motivo para não querê-las.../
Que tristes os caminhos se não fora/A mágica presença das estrelas!" Mário Quintana
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Tradução de mensagens :translate.google.pt/
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